segunda-feira, 1 de agosto de 2022

Zabala - A organização social da classe


O PAPEL DOS AGRUPAMENTOS

Historicamente, a forma mais habitual de preparar as pessoas mais jovens de qualquer grupo social para sua integração na coletividade tem sido através de processos geralmente individuais, seja em casa ou no campo por parte dos pais, seja nas oficinas por parte de mestres artesãos. As classes mais privilegiadas tinham acesso a outros tipos de aprendizagens, como a leitura, a escrita ou outros saberes, mas sempre se tratava de uma formação individualizada. A maioria das aprendizagens era o resultado de atividades cotidianas. Quando chega o momento em que se considera necessário generalizar o ensino da leitura, da escrita e da denominada "cultura geral" para outras camadas sociais, é que se coloca a necessidade de resolver o problema de como ensinar ao mesmo tempo a um número máximo de alunos.

É assim que nascem as primeiras formas de agrupamento. Em fins do século XVI, se define uma das formas para organizar os alunos, que se tornará habitual praticamente até nossos dias: grupos de cinquenta a sessenta alunos do mesmo sexo e da mesma idade situados numa mesma aula e dependentes de um professor/tutor ou de diversos professores. Toda escola, e mais quanto mais pretensões de "qualidade" tenha, dará ênfase em destacar a estrutura organizativa em grupos homogêneos e graduados. Nos núcleos de população com um número reduzido de alunos se aceitam, embora como algo negativo, outras formas organizativas diferentes, sempre dentro do grande grupo, neste caso heterogêneo. As relações e a organização social neste modelo são bastante simples. O grande-grupo atua como um todo, como soma de pessoas selecionadas previamente segundo certos critérios uniformizadores: sexo, nível, capacidades... O grande grupo e a estrutura social têm a função de solucionar fundamentalmente os problemas de ordem e disciplina. As relações no grupo se articulam como uma fórmula para favorecer a comparação e a competição "estimuladora" (divisão em "romanos" e "cartagineses", êmulos, atos públicos de distribuição de notas, quadros de honra, etc.).

Em fins do século XIX e no começo do XX, começam a surgir de forma apreciável outras formas de organização da escola e das aulas que rompem com este modelo único. Estruturação das aulas em grupos fixos e móveis, equipes de trabalho, grupos homogêneos e heterogêneos, oficinas, "cantos", estudos individualizados, etc. O surgimento de diferentes modelos organizativos é a resposta às novas inquietações no ensino, às diferentes concepções educativas e aos conhecimentos psicopedagógicos. Defende-se o trabalho em equipe como meio para promover a socialização e a cooperação, para poder atender aos diferentes níveis e ritmos de aprendizagem, para resolver problemas de dinâmica grupal, para tornar possível a aprendizagem entre iguais, etc.

Neste capítulo descreveremos as formas mais genéricas de organização...social nas escolas a partir de referenciais de análise que nos permitam reconhecer as possibilidades de cada urna das opções. Desta maneira poderemos dispor de critérios para selecionar, em cada momento, a forma de agrupamento mais adequada a nossas intenções educacionais. Analisaremos os motivos que as justificam e os critérios para avaliá-las e a seguir trataremos, com estas mesmas proposições, as variáveis metodológicas do tempo e do espaço.

FORMAS DE AGRUPAMENTO

Uma revisão das formas de organização grupai nos permite fazer uma classificação mais ou menos esquemática das diferentes maneiras de agrupar os meninos e meninas em classe.

Nesta classificação podemos observar que as diferenças mais características das diversas formas de agrupamentos estão determinadas por seu âmbito de intervenção: grupo/escola e grupo/classe; e em cada uma delas conforme o trabalho seja realizado com todo o grupo ou com grupos ou equipes fixos ou móveis. E também deve se precisar, nos dois âmbitos, se os critérios que se utilizaram para estabelecer estes agrupamentos foram a homogeneidade ou a heterogeneidade dos mesmos em relação a considerações de sexo, nível de desenvolvimento, conhecimentos, etc. 

Em primeiro lugar temos o grupo/escola como primeira configuração grupai da escola, grupo que em toda escola tem uma forma e estrutura social determinada. Neste primeiro âmbito encontramos atividades que se realizam em diferentes tipos de agrupamento: o grande grupo em atividades globais da escola, assembleias, atividades esportivas ou culturais, etc.; o grupo/classe, que geralmente implica grupos fixos de idade, embora em alguns casos sejam móveis e, portanto, os componentes variam conforme a atividade a ser desenvolvida, a área ou a matéria: oficinas, atividades facultativas, níveis, etc.

No âmbito do grupo/classe encontramos atividades de grande grupo: exposições, assembleias, debates, etc.; atividades organizadas em equipes fixas: organizativas, de convivência, de trabalho, etc.; atividades em equipes móveis de dois ou mais alunos: investigações, diálogos, trabalhos experimentais, observações, elaboração de dossiês, "cantos", etc.; atividades individuais de exercitação, aplicação, estudo, avaliação, etc.

DESCRIÇÃO E AVALIAÇÃO DAS DIFERENTES FORMAS DE AGRUPAMENTO

Como qualquer uma das outras variáveis metodológicas, as diferentes tendências de organização social das instituições educacionais e da classe têm sido determinadas mais pelo costume e pela história do que por uma reflexão fundamentada das opções escolhidas em cada momento. Assim, encontramos escolas e professores que mantiveram a todo custo os modelos herdados, e outros que foram mudando, quase de forma compulsiva, conforme as tendências do momento. E em ambos os casos se fazem desqualificações globais das opções contrárias. Em nossas escolas, infelizmente, não tem sido frequente dispor de espaço e tempo para a reflexão serena, fato que não contribui para a análise constante, profunda e desapaixonada que uma tomada de decisão tão complexa merece. Como veremos, e esta pode ser a conclusão fundamental, cada uma das opções organizativas comporta determinadas vantagens e determinados inconvenientes, certas possibilidades e certas potencialidades educativas diferentes. De algum modo, nós, educadores, temos em mãos alguns instrumentos educativos que não são nem bons nem maus em si mesmos, mas que são basicamente ferramentas que podem ser adequadas para satisfazer determinadas necessidades educativas. Nossa tarefa consiste em conhecer estas potencialidades didáticas, sem renunciar, por princípio, a nenhuma delas, e utilizá-las convenientemente quando for necessário.

A escola como grande grupo

As características da organização grupai neste âmbito estão determinadas, em primeiro lugar, pela organização e pela estrutura de gestão da escola e, em segundo lugar, pelas atividades que toda a escola realiza de forma coletiva, as quais, apesar de serem bastante limitadas, são cruciais para o sentimento de identificação pessoal com a escola, tanto por parte dos alunos como dos professores.

Portanto, são instrumentos ou ferramentas formativas de todo o grupo/escola as atividades vinculadas à gestão da escola, que configuram determinadas relações interpessoais, uma distribuição de papéis e responsabilidades e um diferente grau de participação na gestão. E também o são as atividades gerais da escola, de caráter cultural, social e esportivo, de natureza interna e de difusão exterior, quer dizer, dirigidas aos familiares dos alunos ou abertas a setores mais amplos da comunidade, do bairro ou cidade. Assim, pois, é preciso distinguir entre as atividades com participação de toda a escola e as que são consequência da maneira de gerir esta escola.

Atividades gerais da escola

Durante o ano, a maioria das escolas organiza uma série de atividades que em geral são de caráter social, cultural, lúdico ou esportivo. As principais diferenças entre as escolas estão associadas à abrangência e à finalidade destas atividades. Portanto, há algumas que são do grupo e para o grupo, quer dizer, de caráter interno, e outras que estão abertas a outras coletividades. Em relação à função ou finalidade, encontraremos atividades para o prazer, a motivação, a promoção externa, a demonstração e o compromisso.

Todas as atividades de grupo/escola, se são satisfatórias, potencializam o sentimento de pertinência e de identificação com o grupo, a auto- estima coletiva. Portanto, promovem atitudes de compromisso e responsabilidade para com os demais e também reforçam o estímulo e a motivação em relação aos projetos da escola, entre eles os que estão relacionados com a formação e o estudo. Esta identificação também envolve a adoção ou a rejeição dos valores do grupo, constituindo então um dos meios mais valiosos para promover a aprendizagem de conteúdos de caráter atitudinal.

Esta potencialidade obriga a avaliar com muita atenção as características das atividades que se propõem. Em muitos escolas existe uma contradição paradoxal: algumas, por exemplo, apesar de terem uma declaração de intenções não-consumistas, promovem festas, representações ou comemorações, em que é imprescindível a compra de fantasias ou vestidos caros e inúteis, para outras atividades; outras fazem manifestações cooperativas e anticompetitivas e, em troca, seguido organizam concursos, competições e jogos com prêmios; há as que, apesar de.se definirem como não-sexistas, não levam em conta este aspecto ao atribuir papéis de ambos os sexos nas representações, nas atuações ou nos brinquedos e também há as que fazem declarações de "humildade" e organizam grandes atos que basicamente são manifestações publicitárias.

Também encontraremos escolas em que muitas destas Atividades gerais ocorrem no exterior ou estão dirigidas para o exterior: atividades de participação em festas ou atividades culturais de bairro, visitas a campos de trabalho, atividades de pesquisa social, serviços para a comunidade (coleta e reciclagem de papel, oferecimento das instalações escolares, etc.). Trata-se de atividades que demonstram o compromisso social da escola e que constituem a forma mais coerente, e, portanto, mais formativa, de responder a certas finalidades educacionais vinculadas a valores como a solidariedade, o respeito, o compromisso, etc.

Que critérios utilizaremos para avaliar estas atividades? Como em todas as experiências que os alunos vivem, deveremos nos perguntar que aprendizagens promovem. Temos que nos perguntar que conteúdos conceituais, procedimentais e sobretudo atitudinais são trabalhados em cada uma das atividades e relacioná-los com as finalidades educacionais que promovem. Uma vez mais, a análise dos conteúdos da aprendizagem deve nos permitir chegar a conclusões sobre a função social do ensino que a escola tem e sobre a capacidade de incidência formativa que estas atividades têm.

Tipo de gestão da escola

A estrutura e a organização da escola como grupo se define pelo tipo de organograma da escola e, portanto, pelo grau de envolvimento e atribuição de responsabilidades dos professores e dos próprios alunos. O funcionamento está determinado pelo regimento da escola, que define os papéis dos diferentes segmentos que compõem a comunidade escolar.

A distribuição de papéis e de responsabilidade que ocorre na escola pode ser resultado de uma análise exclusivamente pragmática, efetuada unicamente com critérios relativos às necessidades de dinamização, organização e desenvolvimento das diferentes tarefas de uma instituição com funções complexas. Ou, pelo contrário, pode responder a uma concepção que tem presente que a própria, estrutura organizativa e as relações que define se convertem em instrumentos educativos de primeira ordem ao oferecer imagens, e sobretudo vivências, que marcam a maneira de entender o que são ou o que têm que ser as organizações sociais e a forma como se distribuem os deveres e os direitos de cada um de seus membros. Este funcionamento também define determinadas relações interpessoais, uma maneira de conceber as relações de trabalho, que podem ser de ajuda, de colaboração, de confiança ou exatamente o contrário. Uma gestão mais ou menos colegiada ou compartilhada, monitorias coordenadas ou não, certas decisões em equipe ou individuais, etc., vão incidindo de maneira imperceptível, mas profunda, no pensamento e nos valores dos alunos.

O diferente grau de participação na gestão

Se a estrutura organizativa é central no oferecimento de pautas e modelos de gestão e atribuição de responsabilidades, o grau e a maneira em que os diferentes segmentos da comunidade escolar participam nas decisões da escola são igualmente básicos na formação dos alunos. E especialmente importante o papel que os meninos e meninas devem desempenhar na definição das normas ou regras de convivência da escola.

Toda escola é regida por determinadas normas que permitem, o funcionamento da coletividade. A disciplina necessária, o respeito mútuo e as relações de convivência devem, ser garantidas por normas que regulem as atuações de todos os membros. As diferenças entre escolas não apenas afetam os diversos tipos de normas, como também afetam quem as promove ou estabelece, quem vela por seu cumprimento e quem julga a validade de sua aplicação. Assim, de certo modo, aplicando a distribuição de poderes de Montesquieu, poderíamos nos perguntar: quem ostenta o poder legislativo, o executivo e o judiciário na escola? Certamente encontraremos diferentes graus de participação dos alunos nestes "poderes", mas, dada a tradição escolar, é lógico que na maioria dos casos serão os professores ou a equipe diretiva que utilizarão a capacidade de legislar, executar e julgar na escola.

Chegando a este ponto, podemos fazer uma avaliação educativa das normas que regulam o funcionamento cotidiano da escola e de como são postas em prática. Em muitas escolas já é habitual encontrar declarações de princípios que consideram como função básica a formação de cidadãos democráticos capazes de atuar com autonomia e responsabilidade. Portanto, se trata de escolas que têm considerado como conteúdos de aprendizagem os valores e as atitudes democráticas, o espírito crítico, a responsabilidade pessoal, a aceitação das opiniões dos demais, a autonomia de pensamento e outros conteúdos de caráter atitudinal. Como já vimos no segundo capítulo, a forma de aprender estes conteúdos comporta um trabalho na escola que consiste fundamental mente na realização de experiências que nunca são pontuais e episódicas, mas atividades continuadas, centradas em modelos em que se vivem estes valores e estas atitudes. Nestes casos, as recomendações ou imposições praticamente são inúteis. Por outro lado, é necessário que os meninos e meninas convivam num. ambiente em que aqueles valores impregnem todas as atuações. Dificilmente um aluno ou uma aluna pode ser responsável e aceitar as ideias dos outros se não se exercitou em modelos que lhe obriguem a atuar sob estes princípios. Para ser coerente com objetivos desta magnitude é necessário que as decisões que são tomadas na escola, as normas de convivência que a regem e, sobretudo, a maneira de estabelecê-las e administrá-las estejam em consonância com as finalidades educacionais a que se propõem. Não há dúvida de que são o instrumento mais poderoso que temos em nossas mãos para formar os meninos e meninas nestes valores. Se a opção da escola é a formação integral da pessoa e um dos objetivos é a educação nestes valores democráticos, haverá que incluir instâncias e processos que permitam que o aluno conheça progressivamente as regras do jogo de uma sociedade democrática e, especialmente, que saiba atuar e defendê-la. O julgamento e a revisão das normas da escola, as eleições de representantes, as assembleias de alunos ou da escola, se convém, e, finalmente, todas aquelas formas que permitem que os meninos e meninas aprendam a participar responsavelmente numa coletividade são os meios educativos que possibilitam a formação nesta faceta capital da personalidade.

Longe de se configurar como um elemento estritamente estrutural, o âmbito escola ou grupo/escola, sua gestão e a possibilidade que oferece a seus membros de participar responsavelmente surgem como o marco formativo que irá concretizar-se depois no âmbito mais restrito do grupo/classe, que será objeto de nossa atenção a seguir.

Distribuição da escola em grupos/classe fixos

Esta é a maneira convencional de organizar os grupos de alunos nas escolas. Trata-se de agrupamentos de 20 a 40 (ou inclusive mais) meninos e meninas de idade similar, que durante um ou mais anos trabalham as mesmas áreas ou matérias e terão os mesmos professores.

O fato de que seja a fórmula mais corrente para agrupar os alunos criou uma tradição, um conhecimento e certas habilidades que dificultam a aceitação de fórmulas de organização radicalmente diferentes. No entanto, é preciso analisar as vantagens e os inconvenientes para poder aproveitar os pontos positivos e resolver as deficiências que apresenta. Antes de mais nada, gostaria de considerar a opção de homogeneidade ou não destes grupos.

Nas escolas que têm que formar mais de um grupo/classe por série, devido ao elevado número de alunos, uma das dúvidas mais frequentes que se coloca é a conveniência ou não de agrupá-los conforme os níveis de desenvolvimento ou de conhecimentos, ou fazê-lo heterogeneamente. Se nossa finalidade se limita à realização de determinadas capacidades de caráter cognitivo e se consideramos que a função do ensino é seletiva, a distribuição por grupos/classe homogêneos favorecerá a tarefa do ensino, posto que não haverá tantas diferenças entre os alunos. Agora, inclusive neste caso, o conhecimento que temos dos processos de ensino/ aprendizagem nos obriga a avaliar uma série de condições que não se dão da mesma maneira nos grupos homogêneos, por exemplo, a aprendizagem entre iguais, o contraste, entre modelos diferentes de pensar e atuar e o surgimento de conflitos cognitivos, a possibilidade de receber ajuda de colegas que sabem mais, etc. Todos estes fatores nos levam a considerar a conveniência de que os grupos/classe fixos tenham que ser heterogêneos.......

No caso de que a opção escolhida seja a formação integral e que se centre tanto nas capacidades cognitivas como nas capacidades de equilíbrio pessoal, de relação interpessoal e de inserção social, as formas de agrupamento que não se baseiam na diversidade são improcedentes. Embora os conflitos aumentem devido à existência de níveis, culturas e interesses diferentes, sabemos que as aprendizagens são possíveis precisamente graças a estes conflitos. Para que os meninos e meninas possam reconhecer suas possibilidades e limitações, saibam aceitar-se, possam, entender e respeitar a diferença, possam satisfazer as diferentes- necessidades pessoais, sejam capazes de relacionar-se com os demais e ajudá-los, etc., deverão ter vivido situações, problemas e conflitos que tenham podido aprender a resolver com ajuda da professora ou do professor e dos outros companheiros e companheiras.

Aceitando a conveniência da heterogeneidade do grupo/classe fixo, revisaremos a seguir as vantagens e os inconvenientes que oferece. Independentemente das razões de facilidade organizativa, o motivo primordial que o justifica é o fato de oferecer aos meninos e meninas um grupo de colegas estável, favorecedor das relações interpessoais e da segurança afetiva. As outras vantagens estão relacionadas com o fato de que é a forma em que usualmente se têm organizado as escolas, de tal maneira que o maior número de propostas, materiais e recursos didáticos, assim como de estudos realizados, parte do pressuposto do grupo/classe fixo. Ao mesmo tempo, é uma organização adequada à estrutura espacial das escolas, entendida pelas famílias e pelo resto da coletividade, e baseada em certas tradições consolidadas de gestão da distribuição do trabalho docente.

Os inconvenientes dos grupos/classe fixos estão condicionados pela rigidez que lhes é atribuída, já que correm o risco de fechar-se em si mesmos. Por outro lado, embora se tenha buscado a heterogeneidade, se os alunos têm a mesma idade ainda são muito iguais e isso envolve o perigo de que os processos sejam analisados em relação a um grupo típico (3º do ensino fundamental, 2º do médio...) e no referencial temporal de uma série. Estes perigos e riscos podem ser neutralizados, ao menos em parte, com uma organização por ciclos de mais de uma série. Isto permite criar equipes de professores de ciclo com proposições mais amplas e globais do desenvolvimento dos alunos, ao mesmo tempo que se facilita a realização de atividades que rompam a rigidez do grupo/ classe/série.

Distribuição da escola em grupos/classe móveis ou. flexíveis

Entendemos por grupo/classe móvel o agrupamento em que os componentes do grupo/classe são diferentes conforme as atividades, áreas ou matérias e que pode chegar a ter professores diferentes para cada aluno.

Esta configuração é bastante habitual em escolas que trabalham mediante créditos com conteúdos ou matérias opcionais. Segundo este sistema, cada aluno pertence a tantos grupos quantas matérias ou atividades diferentes configurem seu percurso ou itinerário escolar. Também é habitual nas escolas que trabalham com oficinas abertas a todo um ciclo ou uma etapa, embora neste caso a estrutura básica continue sendo o grupo/classe e, em alguns momentos determinados, os meninos e meninas vão a oficinas diferentes. Portanto, trata-se de oficinas em que encontramos alunos de diferentes idades e que pertencem a diversos grupos/classe.

A razão fundamental que deu origem a esta forma organizativa foi a preocupação em atender aos diferentes interesses e capacidades dos meninos e meninas. E atendê-los fundamentalmente por dois motivos: num caso, quando favorece que cada aluno possa construir um itinerário escolar o mais personalizado possível, ao poder optar por matérias diferentes conforme seus interesses; e em outro, quando a distribuição é dada pelo grau de conhecimentos, de tal modo que, diante de um mesmo itinerário para todos, a designação para um grupo ou para outro é consequência do nível de competência pessoal. Assim, um aluno pode estar no grupo 6 de matemática, no 8 de língua e no 3 de ciências, enquanto que outro assiste ao grupo 7 de matemática, 6 de língua e 8 de ciências. Evidentemente, também pode se dar a combinação de ambos os casos.

Assim, pois, podemos observar que as vantagens manifestas são, por um lado, esta capacidade de ampliar a resposta à diversidade de interesses e competências dos alunos e, por outro, que em cada grupo existe uma homogeneidade que favorece a tarefa dos professores devido ao fato de poder garantir determinados níveis e determinados interesses similares. Quando os alunos podem participar na construção de seu percurso escolar, além de garantir uma melhor predisposição para a aprendizagem, se dá chance para que eles assumam um conhecimento mais profundo de seu processo educacional e um maior grau de responsabilização. Em ambos os casos, a flexibilidade na constituição dos grupos faz com que dificilmente se produza um desfecho negativo.

Uma distribuição grupai deste tipo comporta uma primeira dificuldade, determinada pela complexidade organizativa, mas que deve ser superada se nos detemos nas vantagens que supõe. Também há dois inconvenientes que é preciso solucionar. Um deles é a necessidade de garantir que cada aluno tenha acesso a um grupo de convivência estável. O outro, consequência dos agrupamentos por níveis de competência, é o perigo que já destacamos ao falar dos grupos homogêneos.

Até agora falamos das características dos diferentes agrupamentos no âmbito da escola. Mas avançar na compreensão da organização social da aula requer falar das diferentes formas de organizar as atividades na aula. Isto é o que faremos a seguir.

Organização da classe em grande grupo

Historicamente, esta é a forma mais habitual de organizar as atividades de aula. Nestas atividades todo o grupo faz o mesmo ao mesmo tempo, seja escutar, tomar nota, realizar provas, fazer exercícios, debates, etc. Os professores ou os alunos se dirigem ao grupo em geral, através de exposições, demonstrações, modelos, etc., introduzindo, evidentemente, ações de atendimento a meninos e meninas individualmente.

Esta fórmula é a mais simples e, como já apontamos, a que goza de mais tradição. Questionada pelas concepções progressistas por ter sido a forma exclusiva de agrupamentos de aula, num modelo de escola que considera todos os alunos como iguais e, em todo caso, no qual "sobram" as diferenças. Modelo que corresponde a um ensino de conteúdos fundamentalmente conceituais e ensinados como se se aceitasse que são aprendidos através da memorização mecânica. Esta herança tem feito com que, seguidamente, as desqualificações sejam genéricas, como se fosse uma forma de organização negativa em si mesma.

O problema surge quando se considera que é a única organização possível, de maneira que, independentemente do conteúdo a ser trabalhado, a forma de agrupamento dos alunos sempre é a mesma.

Vejamos a utilidade desta forma de agrupamento. Faremos uma análise segundo os diferentes tipos de conteúdo a serem ensinados e levaremos em conta, em todo momento, os condicionantes determinados pela necessidade de atender à diversidade dos alunos.

Quando é preciso ensinar conteúdos factuais a exposição deve ser clara, o número de alunos e a forma de organizá-los pode ser bastante simples: desde que o número de alunos não seja excessivo para permitir que o professor ou a professora mantenha o atendimento aos alunos, o grande grupo será a forma mais apropriada para desenvolver esta atividade. Se for conveniente, as recomendações sugeridas a cada aluno quanto ao trabalho individual poderiam ser feitas de forma pessoal. Portanto, o grande grupo é uma forma de organização apropriada quando os conteúdos a serem ensinados são factuais, sempre que a idade do aluno lhe permita seguir um plano de memorização de forma autônoma.

Começamos a detectar as limitações da organização.; em grupo quando os conteúdos a serem ensinados são conceituais. Em primeiro lugar, devido ao número de alunos, já que se o grupo é muito numeroso dificilmente poderemos estabelecer as inter-relações necessárias para conhecer o processo de aprendizagem que cada aluno segue. Em segundo lugar, realmente teremos poucas oportunidades de conhecer o processo de elaboração e compreensão de cada aluno se todo o grupo tem que estar sujeito aos diálogos individuais entre professor e aluno. Certamente este trabalho será mais fácil se dividimos o grande grupo em pequenos grupos, cada um deles com trabalhos específicos, para que seja possível circular pelos diferentes núcleos e oferecer a ajuda necessária a cada menino ou menina.

Assim., pois, podemos chegar à conclusão de que uma organização em grande grupo coloca muitos problemas para o ensino dos conceitos se não se introduzem medidas que permitam conhecer o grau e o tipo de processo que está seguindo cada aluno na construção do significado, a fim de que se possa prestar a ajuda que cada aluno precisa. Quanto mais complexo for o conteúdo a ser aprendido e mais jovens forem os alunos, mais dificuldades teremos para atender à diversidade numa estrutura de grande grupo.

Quanto aos conteúdos procedimentais, a estrutura de grande grupo servirá para dar a conhecer a utilidade do procedimento, técnica ou estratégia. Também, poderão se explicar e mostrar as diferentes fases ou os passos que o compõem. E tudo isto com certas garantias de que estamos conseguindo dar conta das diversas formas de aprender dos alunos. Por outro lado, será muito difícil poder propor as atividades de aplicação e exercitação suficientes e necessárias para cada aluno, que representem um desafio pessoal e nas quais se possa prestar a ajuda de que cada um necessita.

Pudemos observar que os conteúdos atitudinais têm a dificuldade de que sua aprendizagem não pode se realizar com poucas atividades. O componente cognitivo destes conteúdos exige um trabalho de compreensão do que representam. Portanto, as atividades que este processo envolve podem ser feitas em grande grupo. Mas os componentes afetivos e comportamentais dos conteúdos atitudinais exigem atividades que impliquem colocar os alunos diante de conflitos ou situações problemáticas que terão que resolver. Situações que dificilmente podem se realizar em grande grupo, excetuando a assembleia.

A assembleia de alunos atua como instrumento de gestão e administração das regras de jogo do grupo, através dos debates, das propostas ou exposições, das revisões das normas de atuação e comportamento; como regulador das relações pessoais e como meio para manter a convivência. E o instrumento mais valioso de que dispomos para promover e potencializar muitos dos valores e das atitudes que consideramos, conteúdos de aprendizagem. As normas que forem estabelecidas e os meios que forem utilizados para assegurar seu cumprimento, assim como a maneira de desenvolver a assembleia, o papel que se outorgue aos alunos, seu grau de responsabilidade e a distribuição de cargos darão a base para a reflexão sobre os atos e os comportamentos elos alunos e sobre os valores que os presidem. Mas se, ao mesmo tempo, não se criam situações que possibilitem a atuação mais ou menos desinibida dos alunos, dificilmente poderão apresentar-se as condições para que se vejam obrigados a escolher entre diferentes formas de comportamento.

Os tipos de atividades que podem ser realizados em grande grupo e que são fatores de conflito, sem deixarem de ser suficientemente controláveis pelo professor, são limitados. Este inconveniente faz com que muitos dos desejos de formação fiquem relegados a um segundo plano, ou esquecidos, se não se dispõe de outras formas organizativas, já que a necessidade de manter a ordem num grupo obriga a tomar medidas de controle que seguidamente entram em choque com as finalidades educacionais estabelecidas. O controle da organização de um grupo sem a existência de outras formas de organização, como as equipes fixas, obriga a que as relações sejam mais rígidas e muitas vezes autoritárias. Deste modo, se potencializam determinadas atitudes. Se são as atitudes desejadas, perfeito: a forma de agrupamento é a correta. Mas não poderemos dizer o mesmo se nossas intenções educacionais são outras.

De acordo com a revisão que realizamos do grande grupo, a respeito dos diferentes tipos de conteúdo, podemos concluir que se trata de uma forma organizativa apropriada para o ensino de fatos, que no caso dos conceitos e princípios aparecem muitos problemas para que se possa conhecer o verdadeiro grau de compreensão de cada menino e menina, que nos conteúdos procedimentais é impossível atender à diversidade no ritmo de aprendizagem e estabelecer as ajudas pertinentes e que no caso dos conteúdos atitudinais o grande grupo é especialmente adequado para a assembleia, mas é insuficiente.

Organização da classe em equipes fixas

A forma habitual de organização da classe em equipes fixas consiste em distribuir os meninos e meninas em grupos de 5 a 8 alunos, durante um período de tempo que oscila entre um trimestre e todo um ano, e nos quais cada um dos componentes desempenha determinados cargos e determinadas funções. As diferenças no número de componentes, a duração e o tipo de cargos e funções estão determinadas pela idade dos alunos. Assim, as equipes são mais reduzidas e sua duração é mais curta na educação infantil e nas séries iniciais do ensino fundamental do que no ensino médio, e os cargos e as funções estão relacionados com a capacidade de atuação autônoma dos meninos e meninas.

As funções fundamentais das equipes fixas são duas. A primeira é organizativa e deve favorecer as funções de controle e gestão da classe. A segunda é de convivência/ já que proporciona aos alunos um grupo afetivamente mais acessível.

A função organizativa se resolve atribuindo a cada equipe, e dentro desta a cada aluno, certas tarefas determinadas, que vão desde a distribuição do espaço e da administração dos recursos da aula até a responsabilidade pelo controle e pelo acompanhamento do trabalho de cada um dos membros da equipe em cada uma das áreas. Assim, em cada um dos grupos podemos encontrar uma distribuição de cargos: coordenador da equipe, secretário, responsável pela manutenção, etc., e, por outro lado, as responsabilidades de cada um deles relacionadas com o processo mais acadêmico: responsável pela matemática, língua, etc., com funções de acompanhamento e auto-avaliação do grupo. Deste modo, cada um dos

membros da equipe pode ter um cargo organizativo (secretário, coordenador...) e outro de responsável por uma área. Tal como apontamos anteriormente, as funções dos cargos e dos responsáveis estão determinadas pela idade dos alunos.

A outra razão que justifica os grupos fixos é que oferecem aos alunos um grupo que, por suas dimensões, permite as relações pessoais e a integração de todos os meninos e meninas. O objetivo consiste em formar grupos em. que possam, se estabelecer relações de amizade e colaboração, assim como de aceitação das diferenças. Com esta intenção, a constituição dos grupos leva em conta a diversidade de seus membros. Para alcançar estes objetivos se propõem atividades que não se reduzem às estritamente disciplinares, como por exemplo, saídas, passeios, etc.

A análise desta forma de agrupamento está relacionada com as duas funções expostas. A mais clara é a organizativa. A organização da classe em equipes fixas resolve muitos dos problemas de gestão e controle da classe. Ter uma estrutura socialmente complexa permite a co-responsabilização dos grupos em muitas das tarefas de organização da classe, liberando os professores, em grande parte, de um trabalho que consome muito tempo e costuma ser pouco "produtivo". Ocorre o paradoxo de que é fácil encontrar esta forma organizativa em aulas de educação infantil e nas séries iniciais do ensino fundamental, onde não há excessivos problemas de disciplina, enquanto que naqueles níveis em que as características da pré-adolescência com frequência ocasionam problemas de convivência, os professores se encontram seguidamente órfãos de instrumentos que lhes ajudem a resolvê-los.

Mas ao mesmo tempo, uma organização deste tipo oferece uma grande quantidade de oportunidades para que os meninos e meninas assumam cada vez mais responsabilidades para com os outros, aprendam a se comprometer, a avaliar seu trabalho e o dos demais, a oferecer ajudas... É aqui também que há relação com a função de convivência, já que dá chance para que se estabeleçam vínculos afetivos, de ajuda, de; companheirismo e de aceitação dos outros e de suas diferenças.

Portanto, independentemente de sua capacidade organizativa, as equipes fixas só têm sentido se a escola traçou como objetivos prioritários o desenvolvimento das capacidades de equilíbrio e autonomia pessoal, de relação interpessoal e de inserção social e, portanto, os conteúdos atitudinais que decorrem disso. Se estes são os objetivos, dificilmente serão alcançados se a escola não se dotar de instrumentos organizativos que, como as equipes fixas, os tornam possíveis.

Estes mesmos argumentos podem nos servir para julgar a conveniência de que os grupos fixos sejam homogêneos ou heterogêneos. A resposta está condicionada pelos objetivos educacionais estabelecidos. A homogeneidade de sexo, atitudes, capacidades ou interesses aparentemente favorece a gestão dos grupos, já que reduz os problemas de convivência. Problemas e conflitos que, como já sabemos, são as oportunidades formativas de que dispomos para conseguir a aprendizagem de determinados conteúdos atitudinais. Desde uma perspectiva que promova a colaboração e o respeito pela diferença, os grupos fixos sempre deverão ser heterogêneos.

Por outro lado, é bastante frequente encontrar opiniões contrárias às equipes fixas, justificadas pela possibilidade de que os grupos se fechem, que surjam lideranças fortes ou despóticas, que apareça uma rejeição a um determinado menino ou menina, sem levar em conta que precisa­mente estas situações são as que permitem a intervenção educacional. Prescindir deste instrumento educativo pode ser uma forma de esconder a realidade da aula e desperdiçar a possibilidade de fazer intervenções que ajudem os grupos fechados a se abrirem, a reconduzir as atitudes despóticas dos líderes, a integrar os que foram rejeitados.

Em resumo, as equipes fixas oferecem numerosas oportunidades para trabalhar importantes conteúdos atitudinais. Sua estrutura também é apropriada para a criação de situações que promovam o debate e os correspondentes conflitos cognitivos e pela possibilidade de receber e dar ajuda, o que facilita a compreensão dos conceitos e procedimentos complexos. Comprometem os alunos na gestão e no controle da aula e constituem um bom instrumento para promover a cooperação e a solidariedade, valores que, embora sempre tenham sido fundamentais para a formação das pessoas, agora, numa escola cada vez mais aberta à diversidade (de culturas, de competências...), se erigem em instrumentos básicos de convivência e progresso.

Organização da ciasse em equipes móveis ou flexíveis

O termo equipe móvel ou grupo flexível implica o conjunto de dois ou mais alunos com a finalidade de desenvolver uma tarefa determinada. A duração destes agrupamentos se limita ao período de tempo de realização da tarefa em questão. Podem ser alguns breves momentos ou todo um trimestre. Sua vida se limita à tarefa e, portanto, numa organização de conteúdos por áreas ou matérias, não existe continuidade das equipes. A estrutura interna destas equipes está condicionada pelo trabalho a ser realizado e pela necessidade de formarem determinadas atitudes. As diferenças fundamentais com as equipes fixas são a variabilidade no número de integrantes e a permanência ou vida do grupo para além da atividade concreta.

Os motivos que justificam os grupos móveis são diversos, embora o principal seja a necessidade de atender às características diferenciais da aprendizagem dos meninos e meninas. Posto que esta estrutura permite distribuir trabalhos em pequenos grupos, é possível que os professores atendam àqueles grupos ou alunos que mais o necessitem, que distingam as tarefas a serem realizadas conforme possibilidades ou interesses, ou que exijam diferentes níveis de elaboração. Trabalhos que sempre devem estar bem definidos, para que os grupos possam trabalhar autonomamente e seja possível favorecer a atenção personalizada por parte dos professores. E o caso dos "cantos" na educação infantil ou das oficinas ou dos trabalhos de pesquisa em níveis superiores, em que os passos a serem seguidos e as técnicas a serem aplicadas são bastante conhecidos pelos alunos e, portanto, a intervenção dos professores está mais em oportunizar desafios e ajudas a cada aluno em particular, sem interromper o trabalho do resto do grupo.

Há outras razões comuns às equipes móveis e aos grupos fixos, que decorrem das possibilidades que a aprendizagem entre iguais oferece. Numa estrutura de tais características surgem muitas situações em que é possível que os próprios meninos c meninas se ajudem entre si. Ensinar modelos, novas explicações, ou interpretações mais próximas dos pontos de vista dos alunos faz com que nesta estrutura possam se beneficiar tanto da comparação entre perspectivas diferentes como da possibilidade de dar e receber ajuda entre colegas.

Outro dos motivos é determinado pelos próprios objetivos educacionais, quando se considera conteúdo de aprendizagem saber trabalhar em equipe e tudo o que isso envolve, tanto nos aspectos operativos de distribuição de trabalho como nos mais atitudinais de relação colaboração entre colegas; ou no caso da aprendizagem das línguas, concretamente da conversação e do diálogo; ou quando a autonomia e a co-responsabilidade são consideradas conteúdos de aprendizagem; etc.

Quanto à homogeneidade ou não das equipes móveis, é preciso realizar as mesmas considerações que se mencionaram até agora em relação ao grupo/classe ou às equipes fixas. No entanto, neste caso, devemos levar em conta que, posto que são agrupamentos limitados a algumas atividades concretas e a um período de tempo curto, e, portanto, não são estáveis, os inconvenientes das equipes homogêneas, numa opção educativa de formação integral, podem ser relativizados. Caso se tenha a precaução de variar a configuração e o grau de homogeneidade dos grupos, conseguiremos, por um lado, aproveitar as vantagens que oferece o fato de poder trabalhar em alguns momentos com grupos de alunos de características similares - sexo, nível, interesses, etc. - e as vantagens educativas da diversidade. Deste modo, as equipes móveis algumas vezes poderão ser homogêneas e outras heterogêneas, segundo as intenções educacionais ou a situação do grupo e seus interesses.

Levando em conta as características e o funcionamento das equipes móveis, podemos observar que são especialmente adequadas, quando não imprescindíveis, para o trabalho de conteúdos procedimentais - portanto, nas áreas em que os componentes procedimentais são básicos, como as de língua, matemática, artes, etc. -, dada a necessidade de se adaptar às diferentes capacidades, ritmos, estilos e interesses de cada aluno. Para a aprendizagem dos conteúdos procedimentais é imprescindível realizar múltiplas atividades de aplicação e exercitação, convenientemente sequenciadas e progressivas. Neste caso, uma estrutura de classe limitada ao grande grupo obrigará a estabelecer uma sequência idêntica para todos, com as dificuldades para atender aos diferentes estilos e ritmos de aprendizagem que isso supõe. De outro modo, uma distribuição em equipes favorece a definição de propostas educativas que levam em conta a diversidade dos alunos. Também será extremamente apropriada para o trabalho dos conteúdos atitudinais no âmbito das relações interpessoais.

Trabalho individual

Consiste nas atividades que cada menino ou menina realiza por si só e é a forma de trabalho que a maioria de sequências de ensino/aprendizagem propõe num ou noutro momento. Seja qual for a corrente pedagógica, nas propostas educativas sempre esteve presente o trabalho individual. E é lógico que seja assim, porque a aprendizagem, por mais que se apoie num processo interpessoal e compartilhado, é sempre, em última instância, uma apropriação pessoal, uma questão individual. As diferenças são encontradas no papel que se atribui a este trabalho, no momento em que ele é realizado, nos tipos de conteúdos que se trabalham e em seu grau de adaptação às características pessoais de cada aluno.

É impossível fazer uma análise isolada do trabalho individual, já que seu valor varia enormemente conforme seja realizado. Se não fosse assim, poderíamos dizer que é imprescindível, e pouco mais. Vejamos em que condições se aplica esta forma de trabalho e que conteúdos são trabalhados para fazer uma avaliação.

Começaremos com um modelo expositivo e posteriormente introduziremos diferentes atividades conforme os conteúdos que forem trabalhados. Numa sequência de ensino/aprendizagem tópica, de exposição- memorização-exame, o trabalho individual é realizado na fase de memorização e exame. Nesta sequência, evidentemente esquemática, a fase expositiva ocorre em grande grupo; a memorização é uma tarefa individual que cada menino ou menina realiza em aula, ou em casa, nas séries mais avançadas e, finalmente, o exame é um trabalho individual que se realiza em grande grupo. Neste modelo, é um tipo de trabalho que não permite a interação professor/aluno, além da devolução do exame com a nota correspondente. Se analisamos este processo desde a perspectiva dos tipos de conteúdos que podem ser trabalhados, observaremos que quando os conteúdos são de caráter factual, as atividades de aprendizagem que consistem em exercícios que ajudam a memorizar - fundamentalmente atividades de repetição verbal - são bastante simples e cada aluno as pode realizar sem mais ajuda do que a motivação para fazê-las. Posto que as diferenças de aprendizagem entre os alunos se centram, a grosso modo, no tempo que cada ura tem que dedicar ao estudo, e posto que é um fator que só depende dos próprios alunos, podem fazê-lo sozinhos com bastante chance de êxito. Um resultado negativo na prova não implicará repetir todo o processo de ensino/ aprendizagem, mas unicamente exigirá que o aluno por si só lhe dedique o tempo de que realmente necessite.

Por outro lado, não podemos dizer o mesmo no caso dos conceitos e dos princípios. Para poder adaptar o processo de ensino às características singulares da aprendizagem de cada um dos meninos e meninas, será necessário introduzir mudanças qualitativas na forma de realizar este trabalho individual. Neste caso, não podemos deixar o aluno sozinho na fase de estudo, já que se não entendeu o conceito - durante a exposição, com os diálogos e as perguntas que se introduziram, nos debates ou nos trabalhos em grupos reduzidos -, dificilmente poderá resolver as dificuldades de compreensão por si só. De outro modo, o trabalho individual será eficaz quando, uma vez compreendido o conceito, realize as atividades e exercícios que lhe permitirão ampliar, detalhar, recordar e eventualmente reforçar o que já tinha compreendido. As diferenças entre os alunos serão solucionadas com o tempo que cada um deles terá que dedicar a cada uma destas finalidades.

Quando os conteúdos a serem aprendidos forem de caráter procedimental, a necessidade de oferecer atividades de aplicação e exercitação para cada aluno, adaptadas a seu nível de domínio e dentro de um conjunto progressivo, obriga a introduzir em todas as unidades didáticas momentos em que se levam a cabo estas tarefas de exercitação personalizada. A dificuldade consistirá em oferecer os desafios e ajudas adequados às características de cada um dos alunos, mas na maioria dos casos o trabalho será individual. O problema a ser resolvido se encontra nos meios para poder orientar o processo de cada menino e menina no domínio progressivo da técnica, do procedimento ou da estratégia.

Quanto à aprendizagem dos conteúdos atitudinais, a necessidade de propor atividades vivenciais que impliquem a resolução de conflitos de atuação e tomada de posições faz com que o trabalho individual só seja adequado na análise e na avaliação de casos, nos aspectos mais conceituais dos valores e, sem dúvida, em todos aqueles relacionados com o estudo individual: dedicação, autonomia, interesses, responsabilidade, atenção, etc.

Assim, pois, vemos que o trabalho individual é especialmente útil para a memorização de fatos, para o aprofundamento e a memorização posterior de conceitos e, especial mente, para a maioria dos conteúdos procedimentais em que se deve adaptar o ritmo e a proposição das atividades às características de cada menino ou menina. Ao mesmo tempo, podemos comprovar a complexidade da tarefa educacional pelo fato de ter que acompanhar as diferentes trajetórias neste trabalho individual. Como podem se propor a cada aluno atividades de aprendizagem específicas, quando há mais de trinta alunos numa classe? Os diferentes métodos de ensino foram buscar fórmulas que favorecessem o andamento de todos os alunos. Fórmulas, técnicas e instrumentos que em muitos casos se converteram no "método" que serve para qualquer coisa. Por tudo quando vimos até agora, a atenção à diversidade envolve formas de ensinar notavelmente complexas porque têm que responder a muitas variáveis que estão estreitamente inter-relacionadas. Tudo isso leva a que nos demos conta, cada vez mais, da necessidade de utilizar formas de intervenção extremamente flexíveis, que integrem todos aqueles meios que potencialmente ajudam a aprender. Um destes meios, especialmente útil no andamento do trabalho individual, é o denominado por Freinet de "contrato de trabalho". Dado o interesse que tem, vamos descrevê-lo rapidamente.

Os contratos de trabalho

A função básica dos contratos de trabalho consiste em facilitar a tarefa dos professores ao propor a cada aluno as atividades de aprendizagem apropriadas a suas possibilidades e a seus interesses. Recebe o nome de contrato porque cada aluno estabelece um acordo com o professor sobre as atividades que deve realizar durante um período de tempo determinado, geralmente uma ou duas semanas. Para poder levar a cabo o controle destes acordos e de seu cumprimento, cada menino e menina dispõe de uma agenda - em educação infantil costuma ser um mural - onde constam os compromissos assumidos para o espaço de tempo em questão. A cada semana, ou a cada quinze dias, ocorre uma reunião entre o professor e o aluno, com uma dupla função: revisar o trabalho feito e combinar a nova tarefa para o período seguinte. Dada a dificuldade que representa fazer uma proposta específica para cada aluno, é imprescindível contar com materiais preparados previamente que contemplem atividades claramente sequenciadas e progressivas, como por exemplo as fichas de trabalho de Freinet, as fichas ordenadas de leituras, os cadernos de cálculo ou ortografia, as fichas de interpretação e confecção de planos e mapas, as atividades de pesquisa, de elaboração tecnológica, de práticas de laboratório, etc., sempre que, como já apontamos, estejam convenientemente ordenadas. Assim, pois, o trabalho do professor está centrado em determinar quantas atividadesdevem se fazer em cada uma das sequências ou o grau de aprofundamento que deve se conseguir num determinado período.

Se uma das tarefas mais pesadas dos professores é a correção das produções dos alunos quando estas são iguais para todos, num modelo de contratos o será mais ainda. Para solucionar este inconveniente é interessante, sempre que seja possível, que as atividades sejam autocorretivas ou que se introduzam fórmulas de correção compartilhada.

Voltando às ideias expostas anteriormente, cabe dizer que esta forma de dar resposta ao andamento do trabalho individual é interessante só para aqueles conteúdos que permitem estabelecer uma sequência mais ou menos ordenada. Como vimos, trata-se dos conteúdos adequados para o trabalho individual, quer dizer, de alguns conteúdos factuais e principalmente muitos conteúdos procedimentais. Conteúdos que representam porcentagens muito elevadas do trabalho cotidiano, especialmente em algumas áreas.

Com os contratos de trabalho, ao mesmo tempo que se contribui para o desenvolvimento destes conteúdos, se promove a aprendizagem de conteúdos atitudinais como a autonomia, o compromisso ou a responsabilidade. E, sobretudo, se faz o aluno participar nos objetivos educacionais que são propostos, porque ele se vê obrigado a ter uma visão global, não apenas dos conteúdos a serem trabalhados, como também de seu próprio processo de aprendizagem.

Sem um meio como o contrato de trabalho e sem materiais com propostas de atividades sequenciadas de forma progressiva, dificilmente pode ser solucionado o problema que envolve o atendimento aos diferentes processos de aprendizagem que segue cada um dos meninos e meninas em determinados conteúdos.

DISTRIBUIÇÃO DO TEMPO E DO ESPAÇO

As formas de utilizar o espaço e o tempo são duas variáveis que, apesar de não serem as mais destacadas, têm uma influência crucial na determinação das diferentes formas de intervenção pedagógica. As características físicas da escola, das aulas, a distribuição dos alunos na classe e o uso flexível ou rígido dos horários são fatores que não apenas configuram e condicionam o ensino, como ao mesmo tempo transmitem e veiculam sensações de segurança e ordem, assim como manifestações marcadas por determinados valores: estéticos, de saúde, de gênero, etc. São muitas as horas que os alunos passam num espaço concreto e com um ritmo temporal que pode ser mais ou menos favorável para sua formação.

O papel do espaço

Como nas outras variáveis, a estrutura física das escolas, os espaços de que dispõem e como são utilizados correspondem a uma ideia muito clara do que deve ser o ensino. Logicamente, posto que os aspectos físicos são os que mais perduram no tempo, não são tanto uma consequência do que tem que ser ou é hoje em dia o ensino, mas o papel que se atribuiu a ele num momento determinado.

Se a utilização do espaço tem sido o resultado de uma maneira de entender o ensino, tanto em relação à função social como à compreensão dos processos de aprendizagem, certamente uma mudança nestes elementos levaria a uma reconsideração das características que deveriam ter de acordo com outras concepções do ensino.

A todos nós parece lógica a distribuição atual das escolas. Consideramos que tuna escola tem que ser um conjunto de unidades espaciais, as aulas, situadas uma junto à outra e unidas mediante corredores. Este conjunto pode variai' desde uma ou duas aulas nas escolas unidocentes até escolas que têm dezenas. Também o interior destas unidades espaciais apresenta uma distribuição bastante similar: um conjunto de cadeiras e mesas colocadas de duas em duas ou individualmente e alinhadas de frente para o quadro-negro e para a mesa do professor ou professora.

A pergunta que devemos nos fazer é se realmente esta é a fórmula mais adequada, a melhor, a única. E, sobretudo, temos que nos perguntar que critérios nos permitem justificá-la.

Se iniciamos de novo uma revisão histórica, veremos que esta configuração não é gratuita. Como pudemos observar, nossa tradição é herdada de um ensino centrado nos conteúdos factuais e conceituais, que tem girado em torno de modelos de comportamento inspirados em fórmulas disciplinares rígidas e uniformizadoras. O ensino dos conteúdos conceituais e factuais através de estratégias de reprodução comportava o uso de exposições gerais para todo um grupo de alunos que, em função das finalidades da educação, podia ser bastante numeroso, colocado de forma que os alunos pudessem receber facilmente as exposições e instruções do ensino. Ao mesmo tempo, esta disposição contribuía para manter a ordem. Trata-se de uma disposição espacial criada em função do protagonista da educação, o professorado, em que os meninos e meninas, como se estivessem num cinema ou num teatro, se situam de forma que possam ver e escutar quem representa uma fonte básica do saber. A opção propedêutica, mas basicamente a concepção transmissora e uniformizadora do ensino, comportava determinadas formas bem definidas e bastante eficazes se levamos em conta o que se pretendia.

Se nos perguntam qual é o número máximo de alunos que pode haver numa classe onde se tenham que explicar, por exemplo, os nomes dos rios da Europa, os códigos da língua, matemática, física ou química, as obras mais importantes do romantismo, etc., certamente responderemos que é limitado, sempre e quando se possa manter a ordem. E também diremos que a melhor maneira de situar estes alunos será a que lhes permita ver e escutar melhor o professor. Assim, pois, o espaço físico adequado será o que permita acomodar o número máximo de alunos que se estabeleceu, e a distribuição da aula mais apropriada será a que favoreça o controle dos professores. Para garantir que esta função de transmissão e controle seja mais eficaz só será necessário situar o professor num nível superior ao dos alunos mediante um tablado.

As razões de ordem, controle e eficácia, segundo uma concepção do ensino e da aprendizagem, determinaram os usos do espaço e, portanto, as características físicas da maioria das escolas.

A utilização do espaço começa a ser um tema problemático quando o protagonismo do ensino se desloca do professor para o aluno. O centro de atenção já não é o que há no quadro-negro, mas o que está acontecendo no campo dos alunos. Este simples deslocamento põe em. dúvida muitas das formas habituais de se relacionar em classe, mas questiona consideravelmente o cenário. O que interessa não é o que mostra o quadro, mas o que acontece no terreno das cadeiras e, mais concretamente, em cada uma das cadeiras.

Este deslocamento faz com que muitos dos elementos que configuram o meio físico do aluno adquiram uma grande importância. A necessidade de que o aluno viva num ambiente favorável para seu crescimento também inclui, e de maneira preferencial, o ambiente em que deve se desenvolver. O estado de ânimo, o interesse e a motivação receberão a influência do meio físico da escola. Criar um clima e um ambiente de convivência e estéticos, que favoreçam as aprendizagens, se converte numa necessidade da aprendizagem e, ao mesmo tempo, num objetivo do ensino. Ao mesmo tempo, as características dos conteúdos a serem trabalhados determinarão as necessidades espaciais.

A necessidade de elaboração pessoal do conhecimento acarreta, sobretudo para os alunos mais jovens, a necessidade de favorecer a atividade mental do aluno através de ações que não se limitem a escutar as exposições do professor ou da professora. A observação, o diálogo ou o debate, a manipulação e a experimentação são atividades imprescindíveis para favorecer os processos construtivos dos alunos, e para realizar estas atividades é preciso dispor de espaços que as facilitem. Neste momento nos vemos obrigados a reconsiderar a adaptação da distribuição convencional do espaço. Em atividades com estas características, o centro de atenção já não pode ser somente o que diz o professor, mas tem que se deslocar para o que os alunos fazem e, portanto, para as necessidades que estas tarefas comportam. Se as atividades selecionadas são debates, diálogos ou discussões em grupos reduzidos, bastará que a disposição da classe possa variar conforme as características da tarefa: distribuição em círculo ou semicírculo, por pequenos grupos ou por duplas. Por outro lado, se as atividades a serem realizadas se concretizam na manipulação, na experimentação, na observação ou na pesquisa bibliográfica, será necessário que a configuração da classe permita estas tarefas ou será imprescindível contar com outros espaços adequados fora da aula.

Quando nossa atenção se concentra no ensino dos conteúdos procedimentais, a necessidade de revisar o tratamento do espaço se multiplica, já que, como vimos, é necessária uma atenção às diferenças no tipo de ajuda e em relação à realização das diferentes atividades, estabelecendo desafios e apoios adequados às características diferenciais de cada menino ou menina. Isto implica a organização de agrupamentos de diferente natureza e, portanto, dispor de espaços que possibilitem o trabalho de cada um dos diferentes grupos. Pode se tratar de espaços fixos em classe, onde se encontrem os elementos e materiais que permitam realizar o trabalho correspondente ("cantos" e pequenas oficinas, bibliotecas da classe...), ou outros espaços adequados fora da aula e concebidos para realizar trabalhos deste tipo (auditórios, laboratório, biblioteca, horta escolar...). Conforme as etapas ou níveis, será necessário avaliar a possibilidade de que haja aulas de grupo/classe que convivam com aulas especializadas. Por outro lado, é preciso levar em conta as possibilidades de ampliar o espaço físico da escola, introduzindo como concepção espacial geral a utilização dos serviços que 3 a comunidade oferece: biblioteca pública, serviços municipais, associações, museus, etc. Quanto aos conteúdos atitudinais, excetuando-se o papel da assembleia e das necessidades de- espaço desta atividade, sua relação com a variável espaço está associada à série de manifestações que indiretamente constituem a maneira de entender os valores por parte da escola sobre determinados campos. Referimo-nos, por exemplo, aos espaços que são de todos ou os que estão destinados a coletivos determinados, e dentro deste último grupo aos que são de uso exclusivo dos professores; às diferenças de mobiliário dos setores e das salas de professores e de alunos; às características físicas e aos objetos diferenciados nos refeitórios ou nos banheiros; às diferenças relacionadas ao gênero nos banheiros e vestiários e ao uso do pátio. Trata-se de manifestações do sentido que têm para a escola as relações de hierarquia e_ poder e as: funções e papéis que se atribuem às pessoas, conforme o status social ou de gênero. São manifestações aparentemente sem importância, mas que formam de modo decisivo valores e atitudes determinadas.

É conveniente dedicar especial atenção às dimensões das escolas. As necessidades de uma escola seletiva e uniformiza dor a não têm nada que ver com as de outra cujo objetivo seja a formação integral das pessoas. Os prédios grandes, com centenas de alunos e dezenas de professores, são radicalmente contrários a propostas educativas encaminhadas para o desenvolvimento não apenas cognitivo dos meninos e meninas. É impossível promover determinadas atitudes ou estabelecer um bom clima afetivo se os meninos e meninas não podem se sentir membros, com personalidade própria, de uma comunidade, onde todos se conhecem, professores e alunos, com nomes e sobrenomes. Dificilmente podem se sentir seguros no anonimato que envolve conviver com centenas de desconhecidos. Daí que é muito difícil manter marcos coerentes de maneiras de viver, conforme os valores e as atitudes que se pretende promover, numa perspectiva personalizada e global. Dado que as construções já estão feitas, e evidentemente segundo outros modelos educativos, em muitos casos será necessário criar divisões e espaços que rompam com a grandiosidade dos prédios e viabilizem, ao máximo, formas de relações personalizadas. E, logicamente, será necessário ampliar este requisito às dimensões das equipes docentes. Será conveniente que ao estruturar e organizar as equipes docentes se leve em conta a necessidade de que os meninos e meninas possam conhecer todos os professores. A tradição seletiva e propedêutica, especialmente nas escolas do ensino médio, não tem que impedir a adaptação das estruturas físicas e organizativas às novas necessidades educativas postas por uma proposta integral.

Por outro lado, se a participação, a democratização, o serviço à comunidade, entre outros, são os valores que se querem promover entre os alunos, será necessário considerar que possibilidades existem de que outros grupos do bairro ou da cidade possam utilizar as instalações da escola. Independente dos motivos de racionalização e utilização das instalações escolares, determinados valores de inserção e atuação social só podem ser defendidos se se convertem em modelos de participação e compromisso real. A biblioteca, o auditório, o ginásio, os pátios e as aulas, em coerência com estes princípios, devem estar a serviço da comunidade a que pertencem, aceitando como fatores educativos todos os inconvenientes e conflitos que supõe uma proposta deste tipo.

A distribuição do tempo não é o menos importante

Numa perspectiva racional, a variável temporal seria resultado e consequência das decisões tomadas em relação às outras variáveis: a sequência didática, o tipo de atividade, a organização de conteúdos, etc. - para além da necessidade, sobretudo com os menores, de orientação no tempo e de segurança pessoal. O tempo teve, e ainda tem, um papel decisivo na configuração das propostas metodológicas.

Em geral o tempo parece ser um fator intocável, já que os períodos de uma hora determinam o que é que se tem que fazer e não o contrário. Apesar de que não exista nenhum estudo científico que conclua que a hora é o melhor tempo para aprender, a distribuição horária em frações homogêneas exerce uma forte pressão sobre as possibilidades de atuação na aula. Muitas das boas intenções podem fracassar se o tempo não for considerado como uma autêntica variável nas mãos dos professores, para utilizá-la conforme as necessidades educacionais que se apresentem em cada momento.

Quando a tarefa educativa se limita à exposição, ao estudo ou à realização de exercícios individuais padronizados, o fator tempo importa pouco. Em todo caso, é suficiente que exista uma certa variedade de conteúdos durante o dia. A estruturação horária em períodos rígidos, sejam de uma hora ou de quarenta e cinco minutos, é o resultado lógico de uma escola fundamentalmente transmissora. A ampliação dos conteúdos educativos e, sobretudo, uma atuação consequente com a maneira como se produzem as aprendizagens, nos leva a reconsiderar estes modelos inflexíveis.

Já comentamos a grande importância que têm os debates, os trabalhos em grupo, as atividades de motivação, a continuidade e o encadeamento de muitas atividades nas sequências didáticas, as necessidades de estabelecer o máximo de relações entre umas atividades e outras e como condicionam o interesse e a atenção dos alunos. O que acontece quando o ritmo se rompe. Justamente quando havíamos conseguido uma boa participação? E se isto acontece no momento mais interessante de um debate, de uma experiência ou de uma observação? Conseguir captar o interesse dos alunos é suficientemente difícil para condicioná-lo à arbitrariedade de um horário que não se adapta às necessidades educacionais. Existem certas tarefas que podem ser executadas em quinze minutos ou conteúdos que podem ser maçantes se os trabalhamos durante um espaço de tempo mais prolongado. Pelo contrário, há atividades e conteúdos que merecem uma dedicação muito mais prolongada. No entanto, é evidente que o ritmo da escola, de toda uma coletividade, não pode se deixar levar pela aparente improvisação, principalmente quando existe mais de um professor encarregado de um grupo. No entanto, o planejamento necessário não impede que, apesar das dificuldades, se estabeleça um horário que pode variar conforme as atividades previstas no transcurso de uma semana.

Conclusões

A revisão que fizemos neste capítulo torna manifesto que as diversas formas de agrupamento dos alunos são úteis para diversos objetivos e para o trabalho de diferentes conteúdos. Assim, pois, uma primeira conclusão é que antes de defender fervorosamente um modelo e rejeitar outro de maneira irrevogável, é preciso saber encontrar a utilidade de cada um e transpô-lo para a prática, quando a situação o exija.

É esclarecedor analisar as formas de agrupamento em relação aos diferentes conteúdos. Quando ensinamos, os conceitos, os procedimentos, as atitudes e os fatos seguidamente formam um conjunto que seria artificial dividir estritamente. Assim, pois, uma segunda conclusão nos leva a afirmar que não devemos nos mostrar inflexíveis. Numa mesma unidade didática, e também numa mesma sessão, teremos que recorrer a formas diversas e sucessivas de agrupamento dos alunos e de organização das atividades que serão mais adequadas do que outras para os objetivos que queremos alcançar.

Como pudemos ver, a forma de agrupar os alunos não é uma decisão técnica prévia ou independente do que queremos ensinar e do aluno que queremos formar. A terceira conclusão deste capítulo indica que, assim como se aprende a nadar nadando, se aprende a participar, a questionar, debater, comprometer-se, responsabilizar-se, etc., quando há tipos de conteúdos aos quais se referem, influem, e inclusive às vezes determinam, o tipo de participação dos protagonistas da situação didática, assim como as características específicas que esta participação assume.

Antoni Zabala - A Prática Educativa


domingo, 31 de julho de 2022

Zabala - A organização de conteúdos

 

No entanto, quais são os critérios que se utilizam para organizar os conteúdos em cada unidade didática? Que motivos justificam uma seleção e uma distribuição determinada de temas?

Até agora, ao falar de conteúdos tratamo-los de forma diferenciada conforme fossem conceituais, procedimentais ou atitudinais, uma das classificações menos frequente no ensino hoje em dia. Tradicionalmente, os conteúdos foram classificados conforme um critério de pertencimento a uma disciplina, cadeira ou matéria. Geralmente foram apresentados agrupados conforme fossem de matemática, química, língua, música, etc. Portanto, as unidades didáticas foram organizadas conforme determinados critérios pelas matérias ou disciplinas. A distribuição habitual dos planos de ensino, programas, currículo, etc., e das áreas específicas na formação dos professores também obedeceram a esta lógica. As matérias ou disciplinas selecionadas, como provedoras daquilo que deve se aprender na escola, deram lugar a determinadas cadeiras, conforme uma configuração que coincide com a organização clássica do saber acadêmico. Por motivos históricos, esta relação com os saberes universitários fez com que tenham predominado as ciências ou saberes com mais anos de vigência, herdeiras do trívio e do quadrívio medievais. Posto que a função do ensino consistia em promover a obtenção destes conhecimentos, as disciplinas ou cadeiras escolares, e nelas a forma de selecionar, distribuir e organizar os conteúdos de aprendizagem, tiveram uma dependência clara da lógica formal de cada uma delas. Por isso, as disciplinas, sua estruturação interna em diferentes temas ou tópicos (a matemática em geometria, estatística, etc.; a língua em gramática, léxico, etc.; a física em estática, dinâmica, cinemática, etc.) se transformaram no sistema tradicional de organizar os conteúdos de aprendizagem no ensino.

Mas esta organização compartimentada de conteúdos, segundo sua dependência disciplinar, nem sempre se encontra na escola de forma pura. Ao longo deste século, e cada vez mais, podemos encontrar propostas e experiências que rompem com esta organização por unidades centradas exclusivamente numa cadeira ou disciplina, de maneira que aparecem unidades ou temas que tentam estabelecer relações entre conteúdos de diversas matérias. Relações entre a matemática e a física, entre a história da arte e a da literatura, entre a língua e as ciências sociais, entre a biologia e a química, etc. Numa fase mais avançada destes vínculos entre diferentes disciplinas, aparecem, sob as denominações de sincretismo e globalização, propostas de organização de conteúdos que, aparentemente, prescindem da compartimentação disciplinar, desenvolvendo, inclusive, métodos extremamente elaborados em que os critérios de organização dos conteúdos não estão condicionados por sua natureza disciplinar. Os “centros de interesse “, o trabalho por temas ou tópicos, os "complexos russos" ou os "projetos", entre outros, são métodos denominados globalizadores, porque seu ponto de partida não decorre da lógica das disciplinas. Nestes sistemas, os conteúdos de aprendizagem e sua organização em unidades didáticas só são relevantes em função de sua capacidade para compreender numa "realidade" que sempre se manifesta "globalmente".

Neste capítulo, depois de efetuar uma revisão terminológica dos conceitos que se referem às diferentes formas de relacionar as disciplinas: multidisciplinaridade, interdisciplinaridade e transdisciplinaridade, comentaremos diversas propostas metodológicas globalizadoras, analisando as razões que as justificam, e para concluir faremos uma proposta do que podemos denominar enfoque globalizador.

COMO PODEM SER ORGANIZADOS OS CONTEÚDOS? QUE REFERENCIAL PODE SER UTILIZADO?

Existem duas proposições acerca das diversas formas de organizar os conteúdos que, apesar de pontos coincidentes, partem de suposições e referenciais diferentes. Assim, certas formas de organizar os conteúdos tomam como ponto de partida e referencial básico as disciplinas ou matérias; neste caso, os conteúdos podem ser classificados conforme sua natureza em multidisciplinares, interdisciplinares, pluridisciplinares, metadisciplinares, etc. Nestas propostas, as disciplinas justificam os conteúdos próprios de aprendizagem e, portanto, nunca perdem sua identidade como matéria diferenciada. As características de cada uma das modalidades organizativas estão determinadas pelo tipo de relações que se estabelecem e o número de disciplinas que intervêm nestas relações, mas em nenhum caso a lógica interna de cada uma das disciplinas deixa de ser o referencial básico para a seleção e articulação dos conteúdos das diferentes unidades de intervenção. Deste modo, encontraremos organizações centradas numa disciplina apenas, forma tradicional de organização dos conteúdos, e outras que estabelecem relações entre duas ou mais disciplinas.

No outro lado está o modelo de organização de conteúdos que nos oferecem os métodos globalizados, os quais nunca tomam as disciplinas como ponto de partida. Nestes métodos, as unidades didáticas dificilmente são classificáveis se tomamos como critério o fato de que correspondam a uma disciplina ou matéria determinada. Os conteúdos das atividades das unidades didáticas passam de uma matéria para outra sem perder a continuidade: a uma atividade que aparentemente é de matemática segue outra que diríamos que é de ciências naturais, e a seguir uma que poderíamos classificar como de estudos sociais ou de educação artística. A diferença básica entre os modelos organizativos disciplinares e os métodos globalizados está em que nestes últimos as disciplinas como tais nunca são a finalidade básica do ensino, senão que têm a função de proporcionar os meios ou instrumentos que devem favorecer a realização dos objetivos educacionais. Nestas propostas, o valor dos diferentes conteúdos disciplinares está condicionado sempre pelos objetivos que se pretendem. O alvo e o referencial organizador fundamental é o aluno e suas necessidades educativas. As disciplinas têm um valor subsidiário, a relevância dos conteúdos de aprendizagem está em função da potencialidade formativa e não apenas da importância disciplinar.

Se levamos ao extremo as diferenças entre ambas as propostas, diríamos que a distinção se deve à concepção que cada um tem do papel do; ensino, o que implica que as prioridades não sejam as mesmas. No caso dos modelos disciplinares, a prioridade básica são as matérias e sua aprendizagem, enquanto que os métodos globalizados situam no centro da atenção o aluno e suas necessidades educacionais gerais. Também é evidente que entre um extremo e o outro existem numerosas possibilidades. Uma educação centrada no aluno nunca é uma posição contra posta ou excludente, mas somatória. Uma educação centrada exclusivamente na lógica disciplinar pode não observar as necessidades formativas gerais do aluno, mas, no caso contrário, uma educação centrada no aluno não pode prescindir do ensino dos conteúdos disciplinares.

O diferente grau de importância que se atribui ao fato disciplinar nas atividades didáticas implica que seguidamente seja difícil estabelecer uma linha divisória entre os modos de organização de conteúdos no contexto de métodos globalizados e aqueles que envolvem relações entre muitas disciplinas. No entanto, convém levar em conta que estamos falando de perspectivas diferentes de aproximação ao problema da organização de conteúdos. Nos métodos globalizados, a aproximação ao fato educativo se realiza a partir da perspectiva de como os alunos aprendem e, secundariamente, do papel que devem desempenhar as disciplinas em sua formação. Nas propostas interdisciplinares, o alvo são as disciplinas e a maneira como os alunos podem aprendê-las melhor. Como dizíamos anteriormente, trata-se de perspectivas totalmente diferentes, mas estreitamente vinculadas, já que nem num caso se prescinde das disciplinas nem no outro se esquece dos alunos.

As disciplinas como organizadoras dos conteúdos: diferentes graus de relação

Ao longo dos anos, a ciência, em seu empenho em compreender a realidade, fragmentou o saber até diversificar o conhecimento numa multiplicidade de disciplinas, e cada uma delas, em sua especialização, criou um corpo diferenciado, determinado por um campo ou objeto material de referência (por exemplo, o espaço para a geografia, os animais para a zoologia, as rochas para a geologia, etc.); um campo de estudo próprio ou objeto formal da disciplina (por exemplo, as formas no espaço para a geometria, o comportamento para a psicologia, os planos e os mapas para a cartografia, etc.); certas metodologias próprias para a observação ou a pesquisa (por exemplo, a experimentação em biologia, o trabalho de campo na sociologia); certos instrumentos de análise (por exemplo, a estatística e as simulações); certas aplicações práticas e uma história diferenciada.

A organização dos conteúdos na escola deu lugar a diversas formas de relação e colaboração entre as diferentes disciplinas que foram consideradas matérias de estudo. Segundo o grau e as características destas relações, diversos autores (Boisot, Piaget, Hechausen, Scurati e Damiano) definiram várias formas de classificação sem que exista um consenso geral sobre os critérios utilizados, já que em alguns casos levaram em conta as necessidades escolares e em outros apenas prestaram atenção aos aspectos epistemológicos.

Se fazemos uma síntese integradora e ao mesmo tempo esquemática, numa perspectiva educacional podemos estabelecer três graus de relações disciplinares: multidisciplinares, interdisciplinares e transdisciplinares

• A multidisciplinaridade é a organização de conteúdos mais tradicional. Os conteúdos escolares são apresentados por matérias independentes umas das outras. O conjunto de matérias ou disciplinas é proposto simultaneamente, sem que apareçam explicitamente as relações que podem existir entre elas. Trata-se de uma organização somativa. Esta concepção é a adotada no bachillerato * atual.

• A interdisciplinares é a interação entre duas ou mais disciplinas, que pode ir desde a simples comunicação de ideias até a integração recíproca dos conceitos fundamentais e da teoria do conhecimento, da metodologia e dos dados da pesquisa. Estas interações podem implicar transferências de leis de uma disciplina para outra e, inclusive, em alguns casos dão lugar a um novo corpo disciplinar, como a bioquímica ou a psicolinguística. Podemos encontrar esta concepção na configuração das áreas de Ciências Sociais e Ciências Experimentais no ensino médio e da área de Conhecimento do meio no ensino fundamental. 

• A transdisciplinaridade é o grau máximo de relações entre as disciplinas, daí que supõe uma integração global dentro de um sistema totalizador. Este sistema favorece uma unidade interpretativa, com o objetivo de constituir uma ciência que explique a realidade sem parcelamento. Atualmente, constitui mais um desejo do que uma realidade. De certa maneira seria o objetivo da Filosofia. Nesta concepção, e vencendo as distâncias lógicas, poderíamos situar o papel das áreas na educação infantil e nas séries iniciais do ensino fundamental, onde uma aproximação global de caráter psicopedagógico determina certas relações de conteúdos com pretensões integradoras.

Como podemos ver, estas classificações partem das disciplinas, e as diferenças entre elas provêm do grau e do tipo de relações que se estabelecem, o que pode dar lugar a formas de organizar os conteúdos, conforme o critério, que correspondam a uma só disciplina - no caso da multidisciplinaridade - ou a duas ou mais - no caso da interdisciplinaridade.

MÉTODOS GLOBALIZADOS

Se efetuamos uma leitura dos métodos globalizados sem abandonar a perspectiva disciplinar, poderíamos considerar que organizam os conteúdos de forma transdisciplinar. Certamente se trata de uma afirmação atrevida, já que nenhum destes métodos pretende transformar-se numa disciplina totalizadora. Sua perspectiva se centra exclusivamente no aluno e em suas necessidades educacionais. Assim, pois, estas necessidades educacionais serão as que obrigarão a utilizar conteúdos disciplinares e não o contrário.

Se damos outra olhada superficial na maneira de organizar os conteúdos nos métodos globalizados, poderemos observar que os conteúdos que são trabalhados procedem de diferentes disciplinas, apesar de que o nexo que há entre elas não segue nenhuma lógica disciplinar. Os critérios estruturadores das atividades e articuladores dos conteúdos de aprendizagem procedem de necessidades alheias às disciplinas que se utilizam, por exemplo, a necessidade de realizar um projeto, a de fazer uma pesquisa ou a de tratar ou conhecer um tema de interesse próximo à realidade do aluno.

Historicamente os métodos globalizados nascem quando o aluno se transforma no protagonista do ensino; quer dizer, quando se produz um deslocamento do fio condutor da educação das matérias ou disciplinas como articuladoras do ensino para o aluno e, portanto, para suas capacidades, interesses e motivações.

Por razões históricas, e por sua vigência atual, iremos nos deter em quatro dos métodos citados:

Os centros de interesse de Decroly, os quais, partindo de um núcleo temático motivador para o aluno e seguindo o processo de observação, associação e expressão, integram diferentes áreas do conhecimento.

* método de projetos de Kilpatrick, que basicamente consiste na elaboração e produção de algum objeto ou montagem (uma máquina, um audiovisual, um viveiro, uma horta escolar, um jornal, etc.).

* O estudo do meio do MCE (Movimento de Cooperazione Educativa de Itaha), que busca que meninos e meninas construam o conhecimento através da sequência do método científico (problema, hipótese, experimentação).

Os projetos de trabalho globais, em que, com o fim de conhecer um tema, tem que se elaborar um dossiê como resultado de uma “pesquisa pessoal ou em equipe.

Todos os sistemas apresentados no Quadro 6.1 partem de uma situação real: conhecer um tema, realizar um projeto, resolver certas interrogações ou elaborar um dossiê. A diferença fundamental entre eles está na intenção do trabalho a ser realizado e nas fases que devem ser seguidas.

Dado que estes métodos não apenas respondem ao problema da organização dos conteúdos, faremos uma descrição de cada um deles, prestando atenção a todos os aspectos que incluem e às razões que oferecem seus autores para justificá-los. No tópico seguinte trataremos de analisá-los desde uma perspectiva concreta da organização de conteúdos.

Os centros de interesse de Decroly

Diversos educadores propuseram métodos que partem de uma situação ou tema que podem ser motivadores, mas Òvide Decroly (1871- 1932), em sua escola L'Ermitage e com o tema "para a vida mediante a vida", aplica um método baseado na comprovação do fato de que às pessoas interessa sobretudo satisfazer as próprias necessidades naturais. Estas necessidades implicarão um conhecimento do meio e das formas de reagir nele. O meio estará constituído por diversos elementos: o menino ou a menina e a família, a escola, a sociedade, os animais, as plantas, a terra com seus elementos e os astros. Para satisfazer certas necessidades naturais, o programa escolar deverá ensinar como se satisfazem hoje em dia, no país em que se vive e nos demais países (geografia); como as satisfizeram nossos antepassados (história); o que nos ajuda a satisfazê-las no mundo animal (ciências naturais); que repercussões têm sobre a organização social. Para cada centro de interesse se seguirão três etapas: observação pessoal e direta através das ciências; associação no espaço e no tempo e expressão através da língua, o desenho, o corpo...

A partir destes princípios, este método foi evoluindo e se ampliou o tipo de centros de interesse. Hoje em dia, se define, com este termo, o trabalho de conhecimen lo sobre um tema que é atrativo e que envolve o uso de diferentes recursos disciplinares no processo que leva a conhecê-lo.

Sequência de ensino/aprendizagem

• Observação: Define-se como o conjunto de atividades que tem. por finalidade pôr os alunos em contato direto com as coisas, os seres, os fatos e os acontecimentos. Este objetivo é alcançado através da realização de exercícios de comparação, cálculo, experimentação, expressão oral e escrita, desenho, etc.

• Associação: Através dos exercícios de associação, os meninos e meninas relacionam o que observaram com outras ideias ou realidades não-suscetíveis de contato e observação direta. É o caso das atividades de associação no espaço e no tempo, relacionadas com as áreas* • de geografia e história; às associações tecnológicas e de adaptação às necessidades da sociedade e as associações de causa-efeito.

Expressão: Uma vez adquiridos os dados empíricos mediante a observação e a medida e uma vez estabelecidas as comparações entre diversos objetos associados no espaço e no tempo, o conhecimento é verificado e corrigido com a expressão. A expressão pode ser concreta, quando utiliza os trabalhos manuais, a modelagem, o desenho, a música, etc., ou abstrata, quando traduz o pensamento com ajuda de símbolos convencionais e se identifica com a linguagem, os signos matemáticos ou musicais, etc.

Justificativa

Decroly utiliza diferentes argumentos, baseados em sua experiência como homem eminentemente pragmático e sensível aos problemas da sociedade:

• A criança é o ponto de partida do método. Partir de uma base bio psicológica e da observação sistemática envolve se dar conta de que as diferenças individuais são muito grandes, tanto em relação às aptidões como ao tempo de maturidade, e que a origem destas diversidades está tanto no próprio indivíduo como no ambiente.

"A criança não é o queremos que seja, mas o que pode ser."

• O respeito à personalidade do aluno. "A educação tem que ser para a vida e baseada na vida. A resposta à imobilidade que condena a uma escola passiva é o ensino ativo que permite que o aluno atue como o inventor ou o artista, quer dizer, realizando tentativas - fazendo provas e cometendo erros."

• A alavanca eficaz de toda aprendizagem é o interesse. Mas não qualquer interesse, porém o profundo, nascido das necessidades primárias e que é manifestação dos instintos.

A vida como educadora. A eficácia do meio é decisiva. O fato de levar em conta as aquisições que a criança fez antes de ir para a escola leva Decroly a pensar que a maioria das aprendizagens é feita espontaneamente, por contato com o meio imediato.

• Os meninos e as meninas são seres sociais. Assim, pois, a escola deve ser concebida de maneira que potencialize o surgimento e o desenvolvimento das tendências sociais latentes na pessoa. É preciso buscar mostrar ao vivo as formas elementares da vida social e praticá-las, introduzindo em sala de aula encargos e responsabilidades.

• A atividade mental está presidida, em muitos aspectos, pela fun­ção globalizadora e é influenciada pelas tendências preponderantes no sujeito. Daqui se desprendem os diversos significados que adquirem os objetos, os acontecimentos, etc., para cada indivíduo e em cada momento de sua vida.

O método de projetos de Kilpatrick

Embora a estruturação e difusão do método de projetos tenham sido obra de Kilpatrick, Dewey realizou as primeiras provas em 1896, na escola experimental da Universidade de Chicago. Trata-se de um sistema baseado no funcionalismo e que recebe influências do evolucionismo de Stanley Hall, das teorias condutistas de Thorndike sobre a aprendizagem e, evidentemente, das socialistas de Dewey.

Dewey decidiu romper com o intelectualismo que imperava no ensino e se propôs a incorporar à educação a experiência do aluno, seus interesses pessoais e os impulsos para a ação. Sua visão sublinha as diferenças individuais, as atitudes sociais dos alunos no ambiente escolar e seu desejo de participar na proposição e direção da própria aprendizagem. Concede uma grande importância ao trabalho, à iniciativa individual, ao fato de se aprender fazendo e à formação democrática.

Kilpatrick foi o realizador prático e divulgador das ideias de seu mestre Dewey. Suas propostas pedagógicas são as mais características do pragmatismo americano e da educação democrática. Para ele, o objetivo da educação consiste em aperfeiçoar a vida em todos seus aspectos, sem outras finalidades transcendentes. A finalidade da escola deve ser ensinar a pensar e a atuar de maneira inteligente e livre. Por isso, os programas têm que ser abertos, críticos e não-dogmáticos, baseados na experiência social e na vida individual. Kilpatrick entende o método como uma adaptação da escola a uma civilização que muda constantemente.

O ponto de partida do método de projetos é o interesse e o esforço. O professor terá que aproveitar as energias individuais, naturalmente dispersas, canalizá-las e integrá-las para um objetivo concreto. Já um bom ensino será dado quando os meninos e as meninas possam se mover de acordo com suas intenções e aglutinem seus esforços e desejos para objetivos claramente definidos segundo certos ideais e valores.

Para Kilpatrick o projeto é uma "atividade previamente determinada", a intenção predominante desta atividade é urna finalidade real que orienta os procedimentos e lhes confere uma motivação, um ato problemático, levado completamente a seu ambiente natural".

O método de projetos designa a atividade espontânea e coordenada de um grupo de alunos que se dedicam metodicamente à execução de um trabalho globalizado e escolhido livremente por eles mesmos. Deste modo, têm a possibilidade de elaborar um projeto em comum e de executá-lo, sentindo-se protagonistas em todo o processo e estimulando a iniciativa responsável de cada um no seio do grupo.

Sequência de ensino/aprendizagem

O projeto compreende quatro fases:

Intenção: Nesta primeira fase, os meninos e meninas, coordenados e dirigidos pelo professor, debatem sobre os diferentes projetos propostos, escolhem o objeto ou montagem que querem realizar e a maneira de se organizar (grupo/classe, grupos reduzidos, individualmente). Definem e esclarecem as características gerais do que querem fazer, assim como os objetivos que pretendem alcançar.

• Preparação: A segunda fase consiste em fazer o projeto do objeto ou montagem. É o momento de definir com a máxima precisão o projeto que se quer realizar. Para completar esta fase serão exigidos o planejamento e a programação dos diferentes meios que serão utilizados, os materiais e as informações indispensáveis para a realização e as etapas e tempo previstos.

• Execução: Uma vez definido o projeto, os meios e o processo a ser seguido, o trabalho será iniciado segundo um plano estabelecido. As técnicas e estratégias das diferentes áreas de aprendizagem (escrever, contar, medir, desenhar, montar, etc.) serão utilizadas em função das necessidades de elaboração do projeto.

Avaliação: Uma vez concluído o objeto ou montagem, será o momento de comprovar a eficácia e a validade do produto realizado. Ao mesmo tempo, será analisado o processo seguido e a participação dos meninos e meninas.

 

Justificativa

Resumidamente, as formas de trabalhar a partir do método de projetos são as seguintes:

Possibilita a atividade coletiva com um propósito real e dentro de um ambiente natural. Portanto, o projeto deve incluir atividades em comum, em equipe e o trabalho em comunidade. Pretende fomentar o espírito de iniciativa ao mesmo tempo que a colaboração num projeto coletivo.

• Vincula as atividades escolares à vida real, buscando que se pa­reçam ao máximo. Dá-se importância aos impulsos das ações, das intenções, propósitos ou finalidades da ação. No projeto, intervém todo tipo de atividades manuais, intelectuais, estéticas, sociais, etc.

• Torna o trabalho escolar algo autenticamente educativo, já que os próprios alunos o elaboram. Potencializa a capacidade cie iniciativa do aluno e o respeito à personalidade dos meninos e meninas. Permite a adequação do trabalho aos níveis de desenvolvimento individual.

• Favorece a concepção da realidade como tato problemático, que é preciso resolver, e responde ao princípio de integração e de totalidade, o que dá lugar ao ensino globalizado, quer dizer, não existem matérias isoladas, senão que os projetos incluem todos os aspectos da aprendizagem: leitura, escrita, cálculo, expressão artística, etc.

O método do estudo do meio

Diversos pedagogos se perguntam por que a pesquisa não pode ser também, um bom. método de aprendizagem, já que é a forma utilizada para chegar ao conhecimento. Freinet é quem estrutura, a partir de 1924, sua teoria pedagógica no princípio do tâtonnement e baseia as técnicas didáticas no tateio experimental que a criança realiza constantemente. Herdeiro desta tradição, o Movimento de Cooperazione Educativa (MCE) da Itália busca organizar e sistematizar o tateio experimental, assim como esclarecer os fundamentos psicopedagógicos da investigação da criança como processo natural de aprendizagem, e busca transformar a escola numa instituição em que o aluno ponha toda sua bagagem cultural ao alcance dos demais para que se chegue, de modo conjunto, a conhecer o mundo cientificamente. Parte-se da ideia de que os meninos e meninas sabem e trazem para a escola uma. grande quantidade de conhecimentos aprendidos de forma natural através de seu próprio tateio experimental. A criança sempre experimenta quando se "encontra diante de um problema que tenha que solucionar, e o método da investigação imporá sua solução, através da utilização dos conhecimentos anteriores de uma forma nova, criativa" (F. Tonucci, 1979).

Para o MCE, pesquisar na escola significa escolher, ordenar, relacionar os elementos descobertos e analisar problemas precedentes. A pesquisa será o processo natural de aprendizagem na medida em que está relacionada com o ambiente ou interesse da criança; um ambiente que lhe é familiar e do qual tem uma experiência imediata.

Deste contato com o meio, de seu interesse, surgirá a motivação pelo estudo dos múltiplos problemas que se apresentam na realidade. Resolver estes problemas envolverá a proposição de hipóteses de trabalho que deverão ser verificadas com dados e informações previamente coletados. Tudo isto permitirá solucionar, total ou parcialmente, o problema que havia surgido e pode ser o ponto de partida da proposição de novas questões. Mas o conhecimento obtido é suficientemente importante para que as conclusões sejam comunicadas aos outros, dentro e fora da escola, utilizando diversos meios de comunicação (murais, montagens, jornais, dossiês, reportagens, etc.). Em 1970, este processo de sistematização deu lugar a uma definição da metodologia de "Estudo do Meio" numa série de etapas ou fases. * •

Sequência de ensino/aprendizagem

Motivação: Nesta fase inicial se pretende colocar os meninos e meninas diante de situações próximas de suas experiências vitais, que lhes provoquem, e lhes incentivem, a fim de despertar seus interesses e suas motivações pelas questões que esta situação coloca. O debate na sala de aula permitirá definir os aspectos do tema motivo de estudo.

Explicitação das perguntas ou problemas: No debate deverão aparecer opiniões diversas e, sobretudo, numerosas perguntas e problemas que terão de ser resolvidos. Em grupos reduzidos ou coletiva- mente - conforme a idade dos alunos - serão definidas e classificadas as perguntas ou os problemas objeto de pesquisa.

• Respostas intuitivas ou hipóteses: Para muitas das perguntas feitas, os meninos e meninas já têm suposições ou respostas mais ou menos intuitivas como resultado de informações ou experiências anteriores. Mas geralmente se trata de um conhecimento confuso, quando não errôneo. Nesta fase se pretende que, ao mesmo tempo que aflorem suas concepções prévias, os alunos possam prever as formas, meios ou instrumentos que têm que utilizar.

• Determinação dos instrumentos para a busca de informação: Em função dos conteúdos do tema, do tipo de perguntas, das idades ou das disponibilidades e disposições da escola, estes instrumentos estarão relacionados com a experiência direta (visitas, entrevistas, experimentações...), com fontes de informação indireta (artigos, livros, dados estatísticos, jornais...), ou inclusive com a informação proporcionada pelos professores.

• Esboço das fontes de informação e planejamento da investigação: Para poder formular conclusões que realmente sejam verdadeiras é necessário utilizar os meios adequados e fazê-lo de forma rigorosa. Por este motivo, nesta fase as atividades de busca de informação e os diferentes instrumentos a serem utilizados (questionários, referências de observação, experimentos de campo ou de laboratório, etc.) têm que estar claramente definidos, com esboços previamente trabalhados e um planejamento ajustado.

• Coleta de dados: Nesta fase, os meninos e meninas, através dos diferentes meios e fontes de informação, coletarão todos aqueles dados úteis para responder às perguntas e questões colocadas.

• Seleção e classificação dos dados: A informação obtida será múltipla e diversa, em alguns casos excessiva, noutros contraditória. Será necessário fazer uma seleção dos dados mais relevantes para responder às questões. Uma vez selecionadas e classificadas, os alunos já se encontram prontos para chegar a conclusões.

• Conclusões: Com os dados obtidos, os meninos e meninas poderão confirmar ou não a validade das suposições e de suas ideias prévias e ampliar seu campo de conhecimento. Também estarão prontos a generalizar o que foi um estudo restrito a um campo concreto e a um problema pontual.

Generalização: Nesta fase se realizará um trabalho de descontextualização e aplicação das conclusões a outras situações para que não se convertam numa aprendizagem episódica.

• Expressão e comunicação: Através de diferentes técnicas expressivas e de comunicação serão expostos os resultados da pesquisa aos colegas de classe ou da escola, ou inclusive à comunidade. Estes resultados da pesquisa também serão incluídos nos cadernos ou dossiês individuais que, além de registro do trabalho realizado, serão o suporte básico de estudo e o meio para sistematizar a lembrança.

Justificativa

Conforme esta metodologia, a tomada de posição frente a um problema supõe uma ação sobre o mesmo, uma comunicação dos resultados obtidos e uma atuação consequente. Para o MCE, a pesquisa sempre envolve uma ação que implica a modificação do meio, contrária ao "ativismo ingênuo", que imita a realidade sem intenção de modificá-la. Portanto, o problema do uso de um esquema de pesquisa não se deve apenas a uma coerência com os processos de aprendizagem, senão que o essencial é que a aprendizagem científica da realidade sempre parta da experiência. Esta experiência desenvolverá na criança um "espírito científico que foi definido como um costume geral de considerar cada aspecto da realidade física, natural, econômica e social, segundo o método do exame dos fatos, da verificação experimental, da razão crítica" (Ciari, 1980). Para o MCE, este espírito científico é essencial no desenvolvimento do "hábito democrático". Numa sociedade democrática, o espírito científico formará cidadãos com capacidade de observar, de avaliar, de escolher e de criticar, já que este espírito científico significa capacidade e aptidão para observar as coisas, mas, sobretudo, para interpretar suas relações. "A capacidade de propor hipóteses, de programar uma experiência, de tirar conclusões ensina a criança a pensar, a raciocinar, a comprovar se uma coisa é verdadeira ou falsa; ensina a distinguir, a escolher; sem ela não existe hábito democrático. Uma mente passiva, inerte, conformista, não pode constituir uma personalidade democrática" (Ciari, 1961). A metodologia do MCE terá como objetivo primordial ensinar a formular "projetos" de experiências e sistematizá-los, discutir, estabelecer relações, realizar experimentos, tirar conclusões, etc., como meio de contribuir para formar cidadãos e cidadãs críticos, responsáveis e com instrumentos para intervir na realidade que os rodeia.

Os projetos de trabalho globais

Esta forma de intervenção nasce de uma evolução dos Project Works de língua e é uma resposta à necessidade de organizar os conteúdos escolares desde a perspectiva da globalização, criando situações de trabalho nas quais as meninas e os meninos se iniciem na aprendizagem de certos procedimentos que os ajudem a organizar, compreender e assimilar uma informação. Nesta forma de entender o método, o produto final do projeto se concretizou na realização de um dossiê ou monografia. Na elaboração do dossiê se utilizará uma série de habilidades, estratégias e conhecimentos procedentes de diferentes disciplinas, áreas ou matérias.

Sequência de ensino/aprendizagem

Na realização do projeto podem se destacar as seguintes fases:

• Escolha do tema: Parte-se da ideia de que os meninos e meninas sabem que devem trabalhar sobre alguma coisa e também que devem fazê-lo de uma determinada maneira.

Como resultado de experiências anteriores, de algum fato de atualidade ou de um acontecimento, propõem-se temas para trabalhar. O grupo, juntamente com o professor, decide qual será o tema do novo projeto.

• Planejamento do desenvolvimento do terna: Depois da escolha do tema, cada menino e menina, ou coletivamente, realiza uma proposta de índice dos diferentes tópicos do dossiê. Também se estabelecem as previsões sobre a distribuição do tempo e as tarefas a serem realizadas para a busca da informação que tem que dar resposta aos tópicos do índice.

A seguir, o professor ou a professora especificará os objetivos de aprendizagem e selecionará os conteúdos que tem intenção de trabalhar.

Busca de informação: A exposição em comum das diferentes propostas de índice configurará o roteiro de trabalho. Uma vez escolhidas as formas e os meios mais apropriados e acessíveis para coletar a informação, os meninos e meninas, distribuídos em pequenos grupos ou individualmente, buscarão os dados necessários.

• Tratamento da informação: Esta é uma das partes mais significativas do método, já que nesta fase o aluno tem que poder selecionar e reconhecer o que é essencial do que é episódico; distinguir entre hipóteses, teorias, opiniões e pontos de vista; adquirir as habilidades para trabalhar com meios e recursos diferentes; classificar e ordenar a informação; chegar a conclusões e estabelecer processos de descontextualização para poder generalizar e, finalmente, propor novas perguntas.

 Desenvolvimento dos diferentes tópicos do índice: A partir da informação coletada e selecionada, se elaboram os conteúdos dos diferentes capítulos que compõem o índice.

• E laboração do dossiê de síntese: Nesta fase se concretiza o que para os alunos é o produto do projeto e que conduziu e justificou todo o trabalho anterior.

Realiza-se a síntese dos aspectos tratados e dos que ficam abertos a futuras aproximações por parte de toda a classe e de cada aluno.

• Avaliação: A seguir, se avalia todo o processo em dois níveis: um de caráter interno, que cada menino e menina realiza e no qual recapitula o que fez e o que aprendeu, e outro de caráter externo, no qual, com ajuda do professor ou professora, os alunos têm que se aprofundar no processo de descontextualização, aplicando a situações diferentes a informação trabalhada e as conclusões obtidas, estabelecendo relações e comparações que permitam a generalização e a conceitualização.

• Novas perspectivas: Finalmente, abrem-se novas perspectivas de continuidade para o projeto seguinte, a fim de que se mantenha um maior grau de inter-relação e significado no processo de aprendizagem. 

Justificativa

Esta forma de intervenção é justificada por diversos argumentos.

Como poderemos observar, a maioria deles está relacionada com a importância que se dá ao aprender a aprender e ao envolvimento do aluno em sua aprendizagem. Em resumo, esta maneira de intervir:

• Permite uma abordagem dos conteúdos de aprendizagem defini­dos pela escola a partir do diálogo que se estabelece entre os objetivos explicitados pelos alunos e a mediação e intervenção do professor, que assegura sua correta sequenciação.

• Promove contextos de trabalho em que os alunos podem, a partir de uma proposição inicial (relacionada com seus conhecimentos prévios), buscar informação, selecioná-la, compreendê-la e relacioná-la através de diferentes situações para convertê-la em conhecimento.

• Contribui com um sentido da globalização, segundo o qual as relações entre as fontes de informação e os procedimentos para compreendê-la e utilizá-la têm que ser estabelecidas pelos alunos e não pelos professores, como acontece nos enfoques interdisciplinares.

• Dá prioridade a uma perspectiva procedimental no processo de ensino e aprendizagem. A ênfase na relação entre ensino e aprendizagem é sobretudo de caráter procedimental e gira em torno do tratamento da informação, portanto potencializa a aprendizagem de estratégias e procedimentos instrumentais e cognitivos acima dos conteúdos conceituais.

Promove um elevado nível de envolvimento do grupo/classe, ria medida em que todos estão aprendendo e compartilhando o que aprendem. Neste sentido, o docente ou a equipe de educadores não são os únicos responsáveis pela atividade que se realiza em aula.

• Contribui para levar em conta as diferentes possibilidades e interesses dos alunos na aula, a fim de que ninguém permaneça desconectado e de que cada um encontre um lugar para participar na aprendizagem.

ANÁLISE DAS DIFERENTES FORMAS DE ORGANIZAÇÃO DOS CONTEÚDOS

Este exame de quatro modelos de intervenção globalizados nos permitiu ver que não só dão uma determinada resposta à maneira de organizar os conteúdos, como que cada um propõe formas diferenciadas, tanto em relação às sequências de ensino/aprendizagem como em relação ao papel dos grupos, o uso de materiais e a função da avaliação.

Portanto, as razões que se esgrimem em cada caso se referem, a aspectos gerais e a outros vinculados à globalização e sua fundamentação. Se nos detemos na maneira de resolver a organização dos conteúdos- e a comparamos com as proposições estritamente disciplinares, veremos que a importância que se dá ao aluno e a com o aprende e a finalidade que se atribui ao ensino são as chaves que motivam a opção globalizadora.

Nos modelos disciplinares, a concepção de como se aprende, no que se refere à organização dos conteúdos, tem uma importância relativa, pelo menos no ponto de partida. A disciplina é o objeto de aprendizagem, e este fato é indiscutível. É preciso dominar o corpo conceituai da disciplina e seus métodos e técnicas específicos. O conhecimento sobre a aprendizagem em geral não tem que servir para questionar a disciplina, mas, sim para estabelecer as propostas didáticas mais apropriadas para sua aprendizagem. Uma vez aceita a disciplina como objeto do ensino, será aplicado o conhecimento do como se aprende para determinar a metodologia adequada. Assim, pois, o fator fundamental numa tomada de posição exclusivamente disciplinar não está determinado tanto por razões psicopedagógicas, mas pelo papel que se atribui ao ensino, quer dizer, a sua função social. A pergunta-chave volta a ser a que questiona qual tem que ser o papel do ensino e, portanto, que tipo de cidadão e cidadã se propõe e, portanto, que capacidades é preciso desenvolver. As disciplinas e sua formalização promovem o desenvolvimento de capacidades cognitivas - nem todas - e, em menor grau, das outras capacidades humanas. Segundo a resposta que se dê ao que se considera que os meninos e meninas têm que "saber ", "saber fazer" ou "ser" ao concluir seu percurso educacional, será determinada a importância dos diferentes conteúdos disciplinares e a forma mais apropriada de organizá-los. Por este motivo, tem certa lógica que no Bachillerato* se configure uma organização de conteúdos em que as disciplinas sejam as estruturadoras do currículo, já que são o objeto de estudo prioritário, dado que a função fundamental do bachillerato é claramente propedêutica e se entende que seu objetivo prioritário é o desenvolvimento das capacidades cognitivas relacionadas com conteúdos de caráter disciplinar. No entanto, esta clara definição disciplinar vai perdendo importância quando nos referimos ao ensino obrigatório**, porque o objeto de estudo, se levamos em conta a função social do ensino nesta etapa, não pode ser exclusivamente disciplinar, dado que as finalidades educacionais têm um caráter eminentemente formativo de todas as capacidades da pessoa.

No sistema educacional espanhol, o ensino obrigatório - educação básica obrigatória - compõe-se da educação primária, com seis anos de duração, e da educação secundária obrigatória, com quatro anos.

 

Neste ponto adquirem grande importância as propostas globalizadas, posto que buscam situar o objeto do ensino num campo em que as disciplinas não são tudo. A alternativa não é uma negação das disciplinas, mas uma posição diferente de seu papel e, como observaremos, não tem a mesma importância em cada um dos métodos globalizados anteriormente descritos.

A intervenção na realidade: objetivos dos métodos globalizados

Em primeiro lugar, utilizaremos o referencial "função social do ensino" - e como se concretiza no trabalho sobre determinados conteúdos de aprendizagem - para analisar as diferentes formas de intervenção pedagógicas que descrevemos em torno dos centros de interesse, o método de projetos, o estudo do meio e os projetos de trabalho.

• Os centros de interesse, numa primeira aproximação, consistem na busca da informação para conseguir a melhora no conhecimento • de um tema que é interessante para o aluno. Portanto, os conteúdos de aprendizagem são basicamente conceituais. Mas podemos nos dar conta de que a forma de adquirir estes conceitos tem um interesse crucial, daí que os conteúdos procedimentais relativos à investigação autônoma e à observação direta são essenciais. Ao mesmo tempo, os conteúdos atitudinais vinculados à socialização, à cooperação e à inserção no meio são os estrutura- dores da maioria das atividades que configuram o método.

« No método de projetos de Kilpatrick, os conteúdos básicos de aprendizagem são de caráter procedimental e atitudinal. O que interessa não é tanto o tema de trabalho, o objeto que se constrói ou a montagem que se realiza, mas todas as habilidades individuais e grupais que têm que se promover para conseguir o objetivo estabelecido. De certo modo, os conteúdos conceituais estão em função da capacidade de planejamento e realização. As habilidades vinculadas ao "saber fazer" e ao "saber resolver" são o fio condutor do método. Da mesma maneira, a capacidade de participação e trabalho associada a necessidades colocadas na vida real é a orientadora dos conteúdos atitudinais.

• Neste sentido, o estudo do meio é o método mais completo, já que os conteúdos procedimentais estão presentes em todas as fases e etapas - atribuindo uma importância especial não apenas àqueles relacionados com a busca de informação, como também aos mais complexos de caráter estratégico cognitivo. Além do mais, os conteúdos conceituais, vinculados a problemas e conflitos da vida real, são básicos como instrumentos para compreender esta realidade social. Os conteúdos atitudinais também são os orientadores e estruturadores de toda a metodologia. Os valores e atitudes relacionados com o fomento de uma cidadania comprometida, ao mesmo tempo que é capaz de pôr em dúvida e fundamentar suas opiniões não apenas intuitivamente, como também com argumentos contrastados pelas diferentes fontes de informação, é chave na definição das razões que justificam o método.

• No método de projetos de trabalhos globais, os conteúdos que centram o trabalho são de caráter conceituai e estão relacionados com o conhecimento de um tema ligado à realidade, geralmente do mundo sócio natural (o que é, como funciona, como se desenvolve, quando aconteceu, por que motivo, etc.). O que o torna mais relevante é o trabalho sistemático de alguns conteúdos procedimentais relacionados com a busca de informação e de trabalho em grupo, assim como a utilização constante de determinadas estratégias cognitivas associadas ao "aprender a aprender". Por outro lado, o interesse pelo trabalho dos conteúdos atitudinais é mais fraco, já que, apesar de estarem presentes (cooperação no trabalho em equipe, rigor na proposição das atividades de busca de informação, etc.), não são os motores do método.

De forma esquemática, poderíamos afirmar, apesar de correr o risco de um reducionismo evidente, que cada uma destas propostas dá prioridade a uma determinada função social do ensino. Assim, nos centros de interesse a função social do ensino consiste em formar cidadãos preparados para conhecer e interagir com o meio; o método de projetos de Kilpatrick considera que sua finalidade é a preparação para a vida de pessoas solidárias que "sabem fazer"; o método de estudo do meio submete a ação educativa à formação de cidadãos democráticos e com "espírito científico" e, finalmente, os projetos de trabalho globais entendem que o objetivo é a formação de cidadãos e cidadãs capazes de "aprender a aprender".

Como podemos observar, apesar das diferenças, o objetivo básico destes métodos consiste em conhecer a realidade e saber se desenvolver nela. O papel que se atribui ao ensino é o denominador comum que justifica o caráter globalizador. Se as finalidades do ensino estão voltadas para o conhecimento e à atuação para a vida, então parece lógico que o objeto de estudo deve ser o eixo estruturador das aprendizagens, seja a própria realidade. Por isso, o ensino de todos aqueles conhecimentos, estratégias, técnicas, valores, normas e atitudes que permitem conhecer, interpretar e agir nesta realidade deveria partir de problemas concretos, situações verossímeis, questões específicas de uma realidade global mais ou menos próxima dos interesses e das necessidades dos futuros cidadãos adultos, membros ativos de uma sociedade que nunca colocará problemas disciplinares específicos. 

O meio social a que pertencem sempre é muito mais complexo do que os enunciados definidos pelas disciplinas ou matérias. É imprescindível não cometer o erro simplista de acreditar que o conhecimento isolado de técnicas e saberes é suficiente para dar resposta aos problemas da vida social e profissional futura. Se não se realiza o difícil exercício de integrar e relacionar estes saberes, será impossível que os conhecimentos possam se transformar num instrumento para a compreensão e a atuação na sociedade.

Com este objetivo de estabelecer vínculos com o mundo real e partindo de problemas tirados da realidade, os métodos globalizados tentam proporcionar aos meninos e meninas meios e instrumentos para que num determinado momento possam realizar a difícil tarefa de aplicá-los às complexas situações que lhes serão colocadas pela vida em sociedade.

Significância, funcionalidade e atitude favorável nos métodos globalizados

Se a realidade, como objeto de estudo, é o nexo comum dos métodos globalizadores, também o é a necessidade de criar as condições que permitam que o aluno esteja motivado para a aprendizagem e que seja capaz de compreender e aplicar os conhecimentos adquiridos. Uma análise atualizada nos permite concretizar este interesse a partir da atenção aos princípios psicopedagógicos da aprendizagem significativa, baseados na necessidade de estabelecer o maior número de vínculos substantivos e não-arbitrários entre os conhecimentos prévios e a potencialização da atitude favorável.

Realmente, nos métodos globalizados os diversos conteúdos de aprendizagem sempre são justificados pela necessidade de realizar um projeto concreto, de conhecer um tema de interesse, ou como meio para resolver alguns problemas ou questões que os alunos colocam. O conhecimento de um conceito gramatical, a utilização da medida própria da matemática, ou conhecimento do conceito de erosão ou do ciclo da água nunca são o resultado de um trabalho em si mesmo, mas de uma necessidade sentida. Num modelo globalizador, os alunos sempre conhecem o sentido da tarefa que realizam. As estratégias globalizadoras pretendem que aquilo que se aprende parta de uma necessidade sentida e não de conhecimentos impostos a priori. Os meninos e meninas se fazem perguntas acerca de fenômenos para os quais não têm explicação, e através de diversas atividades, de experimentação, de leitura e de comparação entre diferentes opiniões, podem chegar a compreender a formulação de princípios ou conceitualizações complexas. Atividades cujos novos conteúdos sempre são funcionais e significativos pelo fato de não estarem estabelecidos por necessidades alheias à própria realização do projeto ou da busca de informação.

Posto que se parte de uma situação real, e portanto complexa, o número de relações que pode se estabelecer entre as experiências anteriores e os novos conteúdos pode ser maior, já que ao incrementar o número de vínculos, a significância da aprendizagem aumentará e terá mais possibilidades de aplicação em situações diferentes. Esta é uma das razões que, em sua época, Claparède e sobretudo Decroly esgrimiram, a partir de outras concepções psicopedagógicas, para fundamentar suas propostas. Esta razão corresponde à necessidade de responder, na vida real, a situações que nunca estão segmentadas, senão que se apresentam sob uma grande complexidade de variáveis que atuam simultaneamente. Quanto mais relações possam ser estabelecidas entre os novos conteúdos e os esquemas de conhecimento já existentes, mais possibilidades terá a pessoa de dar resposta a situações ou problemas complexos.

Junto a esta necessidade de dotar as aprendizagens de significância, o fato de partir de situações próximas também constitui o meio para criar as condições que favorecem o trabalho, já que fomenta a atitude favorável para a aprendizagem ou, se se prefere, para a motivação intrínseca. Os métodos expostos sempre partem do interesse dos alunos e em seu desenvolvimento buscam que não decaia a atenção, a fim de garantir que as atividades contribuam para a assimilação dos conteúdos trabalhados.

O fato de que os conteúdos trabalhados (leitura, cálculo, expressão oral, respeito ao meio ambiente) não sejam uma imposição externa, mas se apresentem como o que é preciso conhecer para responder a interrogações pessoais, realizar atividades que se considerem interessantes e tomar decisões sobre a forma de estudar, supõe um incentivo para o aluno, o qual dá valor positivo ao trabalho sobre conteúdos que lhe são úteis.

O ENFOQUE GLOBALIZADOR, UMA RESPOSTA A NECESSIDADES VARIADAS E INCLUSIVE CONTRAPOSTAS

Do exame que realizamos até agora se conclui que os métodos globalizados dão resposta à necessidade de que as aprendizagens sejam o mais significativas possível e, ao mesmo tempo, consequentes com certas finalidades que apontam para a formação de cidadãos e cidadãs que compreendam e participem numa realidade complexa. Portanto, poderíamos dizer que quando se participa destas finalidades, a forma mais adequada de organizar os conteúdos tem que ser a dos métodos globalizados. Mas esta aparente conclusão não é de todo certa. Neste marco, os referenciais a serem levados em conta - o construtivismo e o conhecimento da realidade - nos propõem que as aprendizagens sejam o mais significativas possível e que permitam resolver os problemas de compreensão e participação num mundo complexo. É evidente que os métodos globalizados atendem a estes requisitos, mas não são a única forma possível de atendê-los.

Respeitar a concepção construtivista e que o objeto de estudo sejam os problemas de compreensão e atuação no mundo real implica que toda a intervenção pedagógica parta sempre de questões e problemas da realidade, do meio do aluno (entendido no sentido amplo: não apenas o que o rodeia, como tudo quanto influi nele e o afeta). Para responder a estas questões ou problemas será necessário utilizar instrumentos conceituais e técnicos, que sem dúvida nenhuma, procedem das disciplinas; instrumentos que será necessário aprender a manejar rigorosamente, e em profundidade, se queremos que cumpram sua função. Rigor que obviamente só pode se produzir desde o marco de cada uma das disciplinas. E aqui é onde surge o conflito: como podemos partir de problemas que nos proponham as situações reais e ao mesmo tempo respeitar a estrutura e a organização lógicas das disciplinas?

Não podemos alterar os diferentes saberes ou matérias sem correr o risco de provocar erros conceituais ou procedimentais em sua aprendizagem. É imprescindível que os conteúdos disciplinares sejam apresentados e trabalhados atendendo à lógica definida pela matéria. Portanto, o planejamento prévio dos conteúdos de aprendizagem, sua seleção e sua sequenciação terão que corresponder, num grau muito elevado, - os demais estarão determinados pelo nível de desenvolvimento e conhecimentos prévios dos alunos - à própria forma em que se estrutura cientificamente a disciplina. Isto quer dizer que devemos levar em conta, ao longo dó ensino, uma série de conteúdos de aprendizagem procedentes de diferentes matérias, selecionadas e sequenciadas de acordo com sua lógica. Mas esta finalidade não tem por que ser contraditória numa proposta que parta de situações tão reais quanto seja possível.

Trata-se de um problema de ponto de partida e de atitude na proposição das atividades de ensino/aprendizagem. A solução se acha no que podemos denominar enfoque globalizador, segundo o qual toda unidade de intervenção deveria partir, como dizíamos, de uma situação próxima à realidade do aluno, que seja interessante para ele e lhe proponha questões às quais precisa dar resposta. Se isto é assim, é possível organizar os conteúdos por disciplinas, nas quais os conteúdos de aprendizagem se entrecruzem conforme a lógica das matérias, mas que, por outro lado, em sua apresentação aos alunos, nas atividades iniciais, a justificativa dos conteúdos disciplinares não seja unicamente uma consequência da lógica disciplinar, mas o resultado de ter que dar resposta a questões ou problemas que surgem de uma situação que o aluno pode considerar próxima. Assim, pois, neste enfoque, e desde uma organização por disciplinas fechadas, na aula de matemática se partiria de uma situação da realidade cuja solução exigisse o uso de recursos matemáticos; na aula de língua, de uma situação comunicativa próxima que é preciso melhorar com instrumentos linguísticos; na aula de ciências experimentais, de um problema de compreensão de um fenômeno mais ou menos cotidiano; na aula de ciências sociais, dos problemas interpretativos que decorrem de um conflito social; etc.

No esquema do Quadro 6.2, podemos ver que em cada área a sequência didática começa com a descrição de uma situação da realidade que coloca diferentes questões; questões e problemas que podem ser abordados com diferentes pontos de vista. Numa escola organizada de forma que cada disciplina ou matéria é lecionada por um professor ou professora diferente, partir-se-á, neste esquema de situações diferentes. A professora de matemática, por exemplo, definirá a situação da realidade nos problemas que deve resolver um grupo de rock que procura alugar um lugar para ensaiar. Os problemas que se deduzem desta situação são múltiplos, mas como nos encontramos numa aula de matemática só nos deteremos naqueles aspectos ou problemas que são matematizáveis: espaço, investimento, custos fixos e variáveis, consumo, financiamento, rentabilidade, etc. Na aula de língua, o professor propõe um debate sobre uma situação que surgiu na escola e que provocou mal-estar entre professores, pais e alunos. Após o debate é feito um acordo de participar na solução elaborando um documento que ajude a compreender as posições das partes envolvidas. O professor utiliza esta situação para realizar uma série de atividades relacionadas com as competências linguísticas dos meninos e meninas e com alguns aspectos morfossintá ticos. Cada um dos professores e professoras seguirá o mesmo esquema na área que lhe corresponde: situação da realidade, proposição de questões, utilização de instrumentos e recursos disciplinares, formalização conforme os critérios científicos da disciplina e aplicação a outras situações para favorecer a generalização e o domínio dos conceitos e das habilidades aprendidos.

Situação realidade A —> problemas —> recursos matemáticos —> formalização (matemática) —> aplicação a outras situações

        Situação realidade B       dilemas comunicativos    -•» instrumentos linguísticos

-> formalização (língua) -» aplicação a outras situações

Situação realidade C —> questões —> meios "científicos" —> formalização (ciências experimentais) -» aplicação a outras situações

Situação realidade D conflitos —> recursos "sociais" —> formalização (ciências sociais) —» aplicação a outras situações

Situação realidade E       —> comparações —> instrumentos expressivos —> formalização (educação artística)    aplicação a outras situações

 

Seguindo este esquema conseguiremos que o aluno entenda o porquê da aprendizagem dos diferentes instrumentos conceituais, das técnicas e dos recursos das diversas disciplinas. Desta forma, o aluno melhora o significado das aprendizagens, ao mesmo tempo que mostra um grau de interesse e uma motivação mais elevados, já que se dá conta de que na escola não apenas faz "o que tem de fazer", nem o que faz é para prever necessidades futuras, geralmente incompreensíveis do ponto de vista de uma criança ou um adolescente (para quando for adulto, para seguir curso superior ou para exercer uma profissão).

Dado que na perspectiva comentada não se estabelecem as relações entre as diferentes variáveis que intervêm em toda situação, poderemos aperfeiçoar este esquema de intervenção se acrescentamos uma atividade em que os meninos e meninas, voltando à situação de partida, relacionem os problemas que abordaram desde uma única perspectiva disciplinar com outros que se dão naquela mesma situação e que foram deixados de lado (veja-se esquema adjunto).

Situação realidade -» proposição questões > instrumentos disciplinares -a formalização aplicação a outras situações -» revisão integradora

O exemplo que descrevemos pode corresponder a uma escola que tem professores diferentes para cada área, mas que conta com as circunstâncias favoráveis para que os especialistas que intervêm num mesmo grupo/classe trabalhem em equipe. No caso de que todas as áreas sejam lecionadas pelo mesmo professor ou professora, não será difícil, e ao mesmo tempo representará uma grande economia de tempo, conceber uma situação inicial que proponha problemas ou questões que possam ser solucionados através de recursos disciplinares a partir de cada uma das matérias, em vez de buscar uma situação motivadora para cada disciplina (Quadro 6.3). Assim, pois, podemos observar que, partindo de uma organização de conteúdos disciplinares, mas proposta desde um enfoque globalizador, caso se deem as condições favoráveis, é possível chegar a um modelo assimilável às propostas dos métodos globalizados.

O inconveniente representado por uma organização fundamentalmente disciplinar, apesar de que se tente partir de um enfoque globalizador, é o perigo de não introduzir o máximo de relações, de se limitar ao marco de cada disciplina e à situação real de partida, de maneira que se deixem de lado as relações e os vínculos entre os conteúdos das diferentes disciplinas - os quais permitem que cada vez mais os meninos e meninas enriqueçam suas estruturas de conhecimento com esquemas interpretativos suficientemente complexos para responder aos problemas e às situações que deverão resolver no mundo real.

Também fica claro que se inclinar por um enfoque globalizador como instrumento de ajuda para a aprendizagem e o desenvolvimento dos alunos numa perspectiva global, que não deixa de lado nenhuma das capacidades que a educação deve atender, em nenhum caso supõe a rejeição das disciplinas e dos conteúdos escolares. Pelo contrário, segundo nossa opinião, implica atribuir-lhes seu verdadeiro e fundamental lugar no ensino, que tem que ir além dos limites estreitos do conhecimento enciclopédico, para alcançar sua característica de instrumento de análise, compreensão e participação social. Esta característica é a que os torna suscetíveis de contribuir de forma valiosa para o crescimento pessoal, já que fazem parte da bagagem que determina o que somos, o que sabemos e o que sabemos fazer.

De tudo quanto vimos até agora, podemos deduzir que o mais importante não é levar a cabo uma organização de conteúdos conforme um ou outro modelo. O debate não consiste em seguir ao pé da letra um método globalizado ou se inclinar por um modelo disciplinar. Um ou outro serão mais ou menos apropriados conforme a coerência dos conteúdos trabalhados em relação aos projetos previstos e a adequação das atividades ao conhecimento que temos sobre os processos de aprendizagem. Se isto é realmente assim, a resposta será a opção de organizar os conteúdos a fim de nos assegurar ao máximo, através de um enfoque globalizador, de que as aprendizagens sejam o mais significativas possível para que o que os meninos e meninas aprendam lhes ajude a se formar como cidadãos competentes para compreender a sociedade em que vivem e participar nela construtivamente.

Antoni Zabala – A Prática Educativa



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