O capital financeiro é o principal determinante da lógica econômica do século XXI, em substituição ao capitalismo comercial-industrial. No sistema financeiro, o valor das mercadorias e serviços associa-se à produção, à circulação e ao consumo. Esses elemen tos funcionam como uma grande rede, pois articulam índices de bolsas de valores, cotações do dólar, faturamento de empresas, entre outras informações relacionadas ao capital global.
Desde meados do século XX, as relações no padrão de acumulação de capital alteraram-se, passando do regime de acumulação fordista para o da acumulação flexível, quando as inovações tecnológicas nas áreas informacionais e de transportes potencializaram as relações de produção, circulação e consumo. Essa mudança resultou na diminuição da influência do modelo keynesiano, em que o Estado interfere mais na economia e na garantia das condições de vida, e a adoção do modelo neoliberal, em que o mercado se autorregula.
Para entender o funcionamento do sistema financeiro nos diferentes lugares do mundo, é preciso avaliar:
- os investimentos de agentes (megainvestidores) que compram e vendem ações;
- o papel do Estado no aumento ou na diminuição das taxas na instalação de corporações no território nacional ou mesmo nas bolsas de valores; o nível das produções locais e regionais e a especialização produtiva;
- a reestruturação das relações de trabalho, com a possível precarização dos direitos trabalhistas e regimes de trabalho mais flexíveis;
- os níveis de consumo, mais diversificados e instantâneos, garantidos pelo sistema informa cional (o pagamento por aplicativos de smartphones, abertura e uso de crédito, débitos automáticos no internet banking, por exemplo).
As bolsas de valores são elementos importantes para o funcionamento do capitalismo finan ceiro. Nelas são negociados contratos baseados nos valores presentes e futuros das ações e realizadas as transações que envolvem grandes quantidades de mercadorias, principalmente relacionadas a commodities. Na circulação financeira é possível aplicar investimentos em qualquer lugar do mundo e as decisões sobre manter ou não investimentos podem ser tomadas de maneira instantânea por meio dos veículos de comunicação e pelo sistema de investimento digital.
As ações representam parte de uma empresa que são negociadas nas bolsas de valores. A quantidade de ações que um sócio detém determina o seu grau de influência nas decisões empresariais.
Analisar a influência financeira dos países possibilita a compreensão da dinâmica do poder econômico global. Crises econômicas locais, como a de 2008, podem rapidamente atingir diversos países do mundo por meio do mercado de ações. A crise do mercado imobiliário nos Estados Unidos nesse período, por exemplo, gerou um pânico financeiro mundial, afetando países como a Irlanda, Grécia, Portugal, Espanha e Itália, o que colocou em risco a estrutura da moeda única europeia, o euro.
A ATUAÇÃO DAS CORPORAÇÕES INTERNACIONAIS
Ao longo do ano, você estudou aspectos geopolíticos, econômicos e espaciais das atividades produtivas em diferentes lugares e tempos. No contexto do capitalismo financeiro, percebemos que um tipo de instituição permeia todas essas relações: os bancos.
Os bancos são agentes centrais que têm o poder de definir e direcionar o fluxo de capital para determinadas áreas produtivas, tendo em vista que financiam a construção de infraestrutu ras, a exploração e o beneficiamento de fontes de energia, a produção de bens e mercadorias industriais, entre outros. Essas são atividades que necessitam da articulação de complexos sistemas técnicos, envolvendo desde a aplicação de conhecimentos da engenharia até o uso de tecnologias da informação. Desse modo, os bancos têm papel importante na redefinição das funções dos lugares, na localização das unidades produtivas e na escolha dos valores produzidos, seguindo a lógica de maximização das receitas e de contenção de custos de produção.
Os bancos e os sistemas de crédito e cobrança estão cada vez mais presentes na vida das popula ções do mundo todo. Muitas cidades são repletas de agências, seguradoras e empresas de consultoria financeira e de crédito, compondo um complexo fundamental na regulação do sistema financeiro.
A partir de 1990, intensificou--se uma tendência global de fusão de bancos em grupos concentrados. Nos Estados Unidos, o conglome rado de bancos conhecido como Big Four (“Quatro Grandes”) anexou pelo menos 33 outros bancos, tanto estadunidenses como europeus e latino-americanos.
Os bancos costumam ser classificados como “mercados de capitalização”, tendo em vista que podem atuar na multiplicação do preço de títulos bancários no mercado de ações, em razão de sua participa ção na circulação do capital mundial. Dessa maneira, quanto maior for a participação do banco na circulação de capital, maior será o seu mercado de capitalização e, consequente mente, seu poder econômico.
A EXPANSÃO DAS ECONOMIAS EMERGENTES
A descentralização da produção e a expansão econômica dos países emergentes foi estudada pelo banco de desenvolvimento econômico Goldman Sachs, em 2001. A partir do estudo, foram indicados cinco países emergentes com potencial para serem as maiores economias do mundo, junto aos Estados Unidos, nos 50 anos seguintes. Faziam parte dessa estimativa Brasil, Índia, China e Rússia, denominados de BRIC. Em 2011, a África do Sul passou a integrar o grupo de países, formando o que conhecemos por Brics.
É válido ressaltar que não se trata de um bloco econômico e, sim, um grupo de coopera ção mútua para o desenvolvimento dos países em diversas áreas como ciência, tecnologia, saúde, inovação, infraestrutura, entre outras, totalizando 30 áreas de cooperação entre os membros.
Uma das ações desenvolvidas para a cooperação entre os países membros foi o Novo Banco de Desenvolvimento do Brics (NDB), criado em 2014, com sede em Xangai. O banco é uma alternativa aos organismos internacionais, como o Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Banco Mundial, para a concessão de empréstimos e financiamentos de ações em prol de melhorias e desenvolvimento dos países-membros. Em 2021, o NBD forneceu US$ 153 milhões de dólares para o Brasil aumentar e melhorar a malha rodoviária do Pará e US$ 1 bilhão de dólares para a recuperação econômica da África do Sul, pós-pandemia.
As mudanças técnicas e tecnológicas nos sistemas de informação e a financeirização da economia proporcionaram mudanças nas práticas de consumo. Um exemplo disso é o uso de sites e aplicativos de compras, que utilizam plataformas de e-commerce (comércio eletrônico) para realizar suas vendas aos clientes. De acordo com dados divulgados pelo relatório da Neotrust, que monitora as vendas em sites e aplicativos, o faturamento nessas plataformas aumentou em 27% entre 2019 e 2021.
Cartões de crédito e débito em conta corrente ainda são os líderes entre as formas de paga mento dos brasileiros; porém, em 2021, houve uma pequena queda nos pagamentos com débito em conta corrente em relação a 2020, em função do aumento da escolha pelo Pix.
No e-commerce, o pagamento dos produtos é realizado de maneira automática, por meio de plataformas digitais que se conectam com os sistemas de crédito articulados às contas bancárias e aos cartões de crédito. Não há utilização física de dinheiro, que circula instantaneamente via informação digital da conta bancária do usuário para a empresa que produziu a mercadoria. O banco e as empresas do setor de crédito e cobrança medeiam essa transferência de dinheiro, retendo parte da transação em forma de taxas e juros.
Assim, o consumo no capitalismo financeiro se baseia na fluidez, na facilidade do consumidor em ter acesso à mercadoria de que necessita ou que deseja. Para isso, a otimização do tempo é fundamental.
A cultura de consumo no capitalismo financeiro conduz a transformações nas relações pro dutivas, o que gera uma série de impactos ambientais, sociais e na organização dos espaços.
O consumo exacerbado leva ao aumento do descarte de resíduos e da exploração de recursos naturais, o que gera poluição das águas, do ar e dos solos. Esses impactos atingem mais os países em desenvolvimento, onde os recursos naturais são explorados com maior intensidade e a mão de obra utilizada na produção das mercadorias tende a ser mais precarizada.
O consumismo é alimentado pela força ideológica das propagandas, sobretudo das grandes marcas, norteadoras de padrões, gostos e tendências. As propagandas transmitem valores e emoções associadas aos produtos. Assim, comprar uma mercadoria de uma marca de referência incluiria o sujeito que consome em uma nova posição e um novo status sociais.
A PRECARIZAÇÃO DO TRABALHO
A reestruturação das relações de produção e de circulação da economia no sistema financeiro impactaram fortemente o mundo do trabalho. A passagem do regime de produção fordista para o de acumulação flexível, a partir da década de 1970, promoveu a maximização de receitas e lucros de bancos, associados a ganhos cada vez maiores das empresas responsáveis pela produção de bens de consumo duráveis e não duráveis.
Nesse cenário, houve a intensificação dos regimes de trabalhos terceirizados e precarizados, uma alternativa do capital para a diminuição dos custos de produção com a mão de obra. Esses regimes de trabalho são caracterizados pelo pagamento por horas trabalhadas, a ausência de vínculos trabalhistas e a redução dos salários. Também há flexibilização ou mesmo desestruturação dos direitos trabalhistas, como férias, 13o salário e licença médica.
No entanto, a precarização e a terceirização do trabalho não ocorrem de forma homogênea, tendo em vista que atinge mais intensamente os países em desenvolvimento, que apresentam legislações trabalhistas mais flexíveis e mão de obra mais barata justamente para atrair empresas multinacionais para seus territórios.
A principal linha da produção industrial das megacorporações europeias e estadunidenses, o Sudeste Asiático, concentra as maiores taxas de precariedade das condições de trabalho, pois uma parcela considerável da população trabalhadora exerce sua função recebendo baixos salários e dedicando extensas jornadas em locais muitas vezes desprovidos de infraestrutura de higiene e segurança.
A América Latina também tem sofrido com a precarização do trabalho. De acordo com dados da Organização Internacional do Trabalho (OIT), entre 2020 e 2021, houve um aumento de 80% no número de trabalhadores informais na região.
A partir de 2020, a pandemia causada pelo coro navírus e a crise econômica e sanitária instensificaram as mudanças do mundo do trabalho. Nesse período, houve um aumento das taxas de desemprego e da precarização do trabalho, tendo em vista que muitas atividades sofreram limitação, como medida de segu rança para conter a propagação do vírus. Com isso, muitos trabalhadores sofreram a perda ou a diminui ção de sua renda durante a pandemia.
Além disso, ocorreram mudanças nas rotinas de trabalho, que passaram a ocorrer de forma remota ou híbrida em muitas profissões. Esses trabalhos exigem o acesso à internet e às tecnologias digitais, o que ainda não é uma realidade para muitos grupos sociais. Diante desse cenário, pode-se afirmar que as desigualdades no mercado de trabalho se intensifica ram durante a pandemia.