terça-feira, 26 de setembro de 2023

Cotidiano e sociedade no Brasil colonial

 Aspectos da sociedade

A sociedade que se constituiu na colônia portuguesa era extremamente hierarquizada. Num extremo estavam os senhores de terra e de escravos; no outro, os próprios escravos. Um pequeno grupo de trabalhadores livres e funcionários públicos constituíam uma camada intermediária, mas praticamente sem poder político.
Entretanto, entre as diversas regiões coloniais existiam muitas diferenças. No Nordeste, onde predominou a produção de açúcar, organizou-se a chamada sociedade açucareira, com a família patriarcal; na região das minas, que se desenvolveu a partir do século XVII, organizou-se uma sociedade mais urbana do que rural; no sul da colônia, por sua vez, a criação de gado e a prática da agricultura de subsistência possibilitaram uma sociedade mais flexível.
A população brasileira nos séculos XVI e XVII estava quase toda concentrada no litoral. Era rarefeita e marcadamente rural. Na Europa, até o fim do século XVIII a mobilidade social era restrita, pois predominava uma sociedade estamental: clero, nobreza e povo.
“No Brasil colonial, a despeito de existir apenas uma nobreza de fato, representada pelos senhores de engenho ou os ‘homens bons’ das câmaras municipais nas diferentes capitanias, foram frequentes as disputas entre os membros das três ordens em torno de harmonia ou poder, consequentes à estratificação. A pressão de comerciantes para participar das câmaras municipais constitui um exemplo, bem como a intervenção governamental para forçar certas irmandades a aceitar a ‘entrada de oficiais mecânicos’, isto é, ‘artífices’.
Poderíamos dizer que no Nordeste açucareiro havia o predomínio dos senhores de engenho e fazendeiros; no Maranhão, dos extrativistas; e, a partir do século XVIII, dos mineradores nas Geais e dos pecuaristas no Sul, sem esquecer da pobreza da região vicentina (São Vicente).
Esta é a visão simplificada, pois a sociedade colonial foi bem mais complexa. Grandes comerciantes do litoral, trabalhadores livres na região açucareira, vaqueiros no sertão, pequenos proprietários rurais na Capitania de São Vicente, tropeiros no Sul, artesãos nas Gerais, autoridades diversas, clérigos, mascate, negos libertos, brancos miseráveis, enfim, o país apresentava sobretudo uma sociedade com características diversas.
No Brasil a mobilidade social era maior do que em Portugal, pois na Europa a estratificação social vinha de tempos mais antigos. Para muitos a colônia era uma terra de oportunidades, atraindo aventureiros não só de solo português como de outras regiões europeias, variando no tempo e no espaço.
A possibilidade de ascensão social era pequena no Nordeste açucareiro, maior nas áreas pecuaristas, no litoral, e principalmente nas regiões mineradoras, já no século XVIII.
Até meados do século XVIII, para garantir a estratificação social predominou uma instituição portuguesa chamada morgadio, aplicada principalmente no Nordeste açucareiro. O morgadio tinha as seguintes características:
· Apenas o filho mais velho herdava as propriedades do pai – era o direito de primogenitura, cujo objetivo era impedir a divisibilidade dos bens;
· Os demais filhos iam estudar em Portugal, entravam para o clero ou acabavam conseguindo um emprego público;
· As mulheres recebiam dotes; em geral, grandes propriedades. Quando um potentado tinha várias filhas, era comum que algumas fossem enviadas a conventos. Lembre-se que nos grupos dominantes eram raros os casamentos por amor. O casamento era uma maneira de aumentar o patrimônio e selar uniões entre famílias; por isso, principalmente no Nordeste, as grandes famílias eram aparentadas.
Era comum também disputas e terríveis rixas entre famílias. Em São Vicente, ficou famosa a luta entre os Camargo e os Pires; no Nordeste, em pleno século XXI, ainda encontramos resquícios de tais práticas.
Os marginalizados constituíam a maior parte da sociedade: negros, índios, libertos, mestiços, brancos pobres, judeus e ciganos. Os dois últimos, ou tornavam-se cristãos, ou eram punidos pela Inquisição

A organização familiar variou bastante, senão vejamos:
- No Nordeste era típica a família patriarcal, congregando muitas pessoas numa extensa rede de parentesco;
- Em todo o Brasil existiram famílias nucleares (pai, mãe e filhos), mas pesquisas mostram a existência de mulheres que criavam seus filhos sozinhas.
Desde o início da colonização, houve uma miscigenação enorme. Apesar das críticas dos jesuítas, era comum homens brancos viveram amancebados com índias e negras. Ter filhos fora do casamento foi normal em todas as camadas sociais, o problema é que havia um enorme preconceito em relação aos chamados “filhos ilegítimos”, que eram privados dos direitos sucessórios e pejorativamente chamados de bastardos. A prática do concubinato era comum nas camadas mais pobres da população.
Sendo o poder econômico e político concentrado nas mãos de uma minoria, a justiça refletia esse tipo de sociedade. Os poderosos violavam as leis e impunham uma espécie de justiça privada em seus domínios, onde a ação do poder público quase sempre era ausente. Já aos pobres aplicava-se uma legislação penal severa. Nos processos criminais, o uso da tortura e as condenações à pena de morte eram comuns.
Apesar dos rigores da lei, a criminalidade era grande. Assassinatos por encomenda, assaltos, sequestros, emboscadas e crimes passionais faziam parte do cotidiano. Eram raras as festas populares que não terminassem em entreveros, com tiros, facadas e, é claro, algumas mortes.

Relações familiares nos engenhos de açúcar

A família dos senhores de engenho na colônia tinha uma organização patriarcal. O patriarca, geralmente era o homem mais velho da família e exercia um poder total sobre todos os outros habitantes da propriedade, desde seus parentes mais próximos até os escravos.
Nessa organização familiar, as mulheres praticamente não tinham poder. O único papel reservado a elas era o de esposa e mãe. Casavam-se muito cedo por volta de 17 anos de idade, em geral com pessoas escolhidas pelo pai. Tanto as casadas como as solteiras viviam no interior da casa-grande, saindo poucas vezes. Em geral não eram alfabetizadas: ninguém achava importante que as mulheres soubessem ler e escrever.
É importante destacar que a família patriarcal era o modelo considerado ideal pela elite colonial. Entretanto, existiam outras organizações familiares entre a população formada por escravos e pessoas livres. Por exemplo, muitas mulheres pobres eram chefes de família e responsável por seu sustento.

Casamento: um acerto entre famílias

Ao contrário do que acontece hoje, os casamentos não eram feitos por escolha individual; não eram os noivos que decidiam o casamento, depois de um período de namoro. A escolha era feita pelos pais e não levava em conta a afetividade, a atração de um pelo outro. Eram outros interesses que prevaleciam, principalmente os de parentesco, a fim de que as fortunas, por meio das heranças, ficassem entre poucas famílias. Por isso eram comuns os casamentos entre primos e entre tios e sobrinhas.
Depois do casamento o casal passava a morar na casa do pai da moça ou do pai do moço. O filho mais velho tinha autoridade sobre os mais novos, que o tratavam com respeito e podiam ser por eles castigados. Era uma espécie de preparação para substituir o pai, quando este morresse.

A vida nos engenhos

A sociedade formada em torno da produção do açúcar era essencialmente agrária, rural e vivia da exploração da terra.
Nessa sociedade havia dois grupos principais: o grupo da casa-grande, habitação do senhor de engenho, e o grupo da senzala, moradia dos escravos. Em meio a esses dois grupos viviam trabalhadores livres.

A casa-grande

A casa-grande era uma construção com grandes salas, numerosos quartos, acomodações confortáveis. Térrea ou assobradada, geralmente era construída num lugar central e um pouco elevado da propriedade, de onde se poderia ter uma visão das demais construções.
Ao lado da casa-grande, como extensão e apêndice dela, havia a capela, onde eram realizadas as cerimônias religiosas. Na capela reuniam-se os habitantes do engenho, nos domingos e dias santos, e também nos batizados, casamentos e funerais. Os membros da família do senhor de engenho eram sepultados na própria capela.

A senzala

Na maioria das senzalas havia pouca privacidade; geralmente os escravos viviam juntos. Em algumas senzalas havia lugares reservados para os casais. Mesmo em algumas fazendas, eram destinadas pequenas casas aos escravos casados, como uma forma de incentivo para terem filhos.
Ao contrário da casa-grande, cujos alimentos eram variados e de melhor qualidade, a alimentação dos escravos era insuficiente e pouco variada: farinha, feijão e, às vezes, algum pedaço de carne. As partes do porco que o senhor não comia, como o pé, rabo, orelha etc., eram misturadas ao feijão; foi desse costume que se originou a feijoada.

O poder do senhor de engenho

Se o escravo era as mãos e os pés do senhor de engenho, este, por sua vez, era uma espécie de juiz supremo não só da vida dos escravos, mais de todas as demais pessoas que viviam nos seus domínios: tanto do padre que rezava a missa aos domingos quanto da própria mulher, filhos e parentes.
A casa-grande residência do senhor de engenho do Nordeste, era, de fato, muito grande. Nos seus muitos cômodos podiam viver setenta, oitenta ou mais pessoas. Reinava sobre todos a autoridade absoluta do senhor de engenho, que decidia até sobre a morte de qualquer pessoa, sem ter que prestar contas à justiça ou à polícia. Fazia ele a sua própria justiça (...). Além da mulher e dos filhos do senhor de engenho, na casa-grande viviam os filhos que se casavam, outros parentes, escravos de confiança que cuidavam dos serviços domésticos, filhos do senhor de engenho com escravas e, ainda, agregados, que eram homens livres, que nada possuíam e prestavam algum serviço em troca da proteção e do sustento.
A grande dominação do senhor de engenho sobre tudo se explica pelo isolamento em que viviam e pela quase total ausência de autoridade de polícia e de justiça. As cidades eram poucas, muito pequenas e sua influência não se estendia aos engenhos. As poucas autoridades que viviam nessas cidades ficavam distantes dos engenhos, uns também muito distantes dos outros. Assim a dominação do senhor de engenho acabava se impondo (...)

Habitação

No século XVI a casa-grande mais parecia um forte. Construída com adobe ou tijolos, paredes brancas, telhados próprios para o desaguamento das grandes chuvas, muros lisos, janelas, varandas e uma decoração muito pobre, a casa-grande servia de moradia e de abrigo contra ataques de nativos.
A maioria das casas, porém, era extremamente pobre. As paredes eram feitas com adobe ou troncos de madeiras, e a cobertura compunha-se de palmas. Ficavam protegidas por paliçadas à moda indígena.
“nas terras férteis do litoral, ao pé do edifício maciço, a capela e as senzalas desdobraram os telhados chatos, enquadrando o terreiro. A pequena povoação negra cresceu sob a proteção daquela varanda: trocavam-se as influências, que transformaram a sociedade colonial, o seu espírito e as suas raças. Aí, era tudo mestiço...”

No século XVII, a preocupação hierárquica fez com que fossem criados solares de alas, portas nobres, escadarias e um pátio interno.
Foi no século XVIII que as habitações se tornaram mais sofisticadas. Aumentou a influência européia, especialmente a francesa. As casas-grandes tinham então janelas maiores, escadarias, salões, portas lavradas e exageros nas linhas dos telhados. Porém, quase todas as casas continuaram rústicas, os móveis escassos e a decoração praticamente nula.

Higiene

Os índios eram bastante asseados e tomavam vários banhos por dia. Os colonos imitavam os nativos.
“Era costume antigo em São Paulo saírem seus moradores no tempo do verão, nas horas em que o calor do sol mais se acende, a banhar-se nos rios Tietê, Tamanduateí, que com suas águas regam aquela cidade.”

Vestuário e alimentação

Os homens em geral usavam camisas e ceroulas. A maioria andava descalça. Já as mulheres vestiam uma saia, uma camisa e quando saíam cobriam o rosto com um véu. As roupas de luxo, por serem importadas, custavam exageradamente caro. Muitos se endividavam para externar um luxo que iam além das posses. As mulheres e os homens saíam para as festas com os chamados “trajes de igreja”, onde a seda, o veludo e as joias davam ares de requinte a uma aristocracia muitas vezes decadente e falida.
Escravos e pobres andavam maltrapilhos e seminus, escandalizando os viajantes estrangeiros que por aqui passavam.
Quanto à alimentação, os portugueses tiveram de se habituar à realidade da colônia, substituindo, por exemplo, o trigo pela mandioca.
Almoçava-se às oito da manha e jantava-se à uma da tarde; à noite rezava-se o terço, que durava mais de uma hora, ceiava-se, tomava-se um banho e ia-se dormir. Poucos tinham camas, pois a maioria preferia o costume indígena de dormir em redes.
“a superalimentação, os fortes pratos, os abusos africanos dos condimentos, a escassez ou ausência de legumes, a gula habitual, exacerbada pela arte das cozinheiras negras... colaboravam com a vida sedentária e preguiçosa do fazendeiro, por aquele ar de enfado, de precoce esgotamento, de gordura flácida, que se lhe tornou peculiar.”

No sertão, graças à influência indígena, comia-se menos, porém alimentos mais nutritivos. A vida ativa e a alimentação sóbria davam ao sertanejo saúde e longevidade.
Quanto aos escravos, em geral recebiam três refeições por dia. Feijão, farinha, carne-seca e água compunham o cardápio. Raramente consumiam verduras e frutas.

A medicina na Colônia

Durante todo o período colonial houve falta crônica de médicos (chamados na época de físicos) e de medicamentos. A cura das doenças ficava a cargo de benzedores e práticos.
A qualidade dos poucos médicos e cirurgiões deixava a desejar, pois poucos bons profissionais eram os que se aventuravam em terras inóspitas. Os medicamentos importados da Europa custavam caro e eram ineficientes.
Com os índios e africanos, os portugueses aprenderam a explorar a flora e a fauna em busca de ervas, raízes e substâncias que viessem a curar as diversas enfermidades que atingiam os colonizadores.
Podemos dizer que foram enormes as colaborações do Brasil, principalmente por meio de sua flora, à medicina portuguesa europeia.
“O Brasil, com sua natureza exótica e pouco conhecida, era um tesouro encoberto que poderia gerar muitas riquezas ao reino. Cabia então, à metrópole, conhecê-lo melhor. Data das últimas três décadas do século XVIII o grande incentivo do governo português ao campo das investigações científicas. O fomento dos estudos botânicos e os pedidos feitos pelo marquês de Pombal de exemplares da nossa flora marcaram o início da onda de valorização das ciências naturais no Brasil... Com as demais áreas a botânica e a medicina viram-se incentivadas. Foram inúmeras as solicitações de envio de ervas medicinais até então ignoradas ou pouco difundidas no reino.”
RIBEIRO, Márcia Moisés. Ciência dos trópicos: a arte médica no Brasil do século XVIII. São Paulo: Hucitec, 1997. p. 63

O uso de benzimentos e de magias lícitas e ilícitas grassavam em larga escala, tendo enorme credibilidade da população. Veja os exemplos:
Para cicatrizar feridas:
“Abrazado Santo Amaro no fogo da caridade e da obediência mereceu andar a pé enxuto sobre as águas. Rogai por nós, aventurados Santo Amaro, para que sejamos dignos da promessa de Cristo.”
Para saber o sexo da criança antes do nascimento:
“Lancem um pouco de leite da mulher prenhe sobre um espelho de aço ao raio do sol, e se depois de uma hora virem que se une como uma pérola, indica ter concebido varão; se o leite ficar espalhados, concebeu fêmea.”

Escravidão no Brasil colonial

Ao longo de mais de trezentos anos, os escravos foram os responsáveis pela produção de boa parte das riquezas no Brasil.

Milhões de africanos foram tirados de suas terras para uma viagem na qual aproximadamente a metade morria de fome, doenças e maus-tratos, ou, já em terras americanas, de banzo, uma espécie de tristeza e melancolia provocada pelo afastamento da terra natal.
O transporte dos escravos da África até o Brasil era feito em navios negreiros, chamados de tumbeiros. Amontoados nos porões, mais de um terço deles morria devido às péssimas condições de higiene e alimentação, além dos maus-tratos. Os que chegavam eram vendidos como mercadoria e submetidos a um duro regime de trabalho, a separação dos familiares, à destruição dos seus costumes, etc.
Porões de navios negreiros
A escravidão em massa dos africanos significou o despovoamento de regiões inteiras da África; além disso, destruiu essa população, pois os negros trazidos da África morriam em grande quantidade na viagem ou, rapidamente, no trabalho escravo. Mas a história da escravidão no Brasil não é feita apenas de submissão. É também uma história de lutas pela liberdade.

Da África para a América

Por que os colonizadores utilizaram o trabalho escravo na colônia americana? Por que eles preferiram os escravos africanos aos indígenas?
Para essas perguntas existem muitas respostas possíveis. Em primeiro lugar, os moldes implantados pelos portugueses (grandes propriedades voltadas para a exportação), o cultivo da cana-de-açúcar era uma atividade que exigia um grande número de trabalhadores. Durante muito tempo, alguns historiadores defenderam a ideia de os índios não se adaptaram ao trabalho na lavoura de cana-de-açúcar.
Na verdade, o trabalho rotineiro e sedentário na agricultura era muito diferente daquele a que os índios estavam acostumados. Adaptar-se a ele era uma grande mudança cultural, à qual muitos índios de fato resistiram; assim como os africanos, também pouco habituados a ele.
Ao governo português interessava mais que os índios continuassem a se dedicar à coleta das riquezas naturais da terra, como o pau-brasil. Desde que os portugueses desembarcaram no Brasil, contaram com os nativos para localizar e coletar os produtos nativos americanos que tinham valor na Europa. Esses produtos foram mantidos como monopólio de governo português, trazendo grandes lucros ao longo de vários séculos.
Por causa disso, o governo português proibiu inúmeras vezes a escravidão dos povos indígenas pelos colonos. Certamente essa atitude colaborou com a pressão exercida pelos religiosos católicos, sobretudo os jesuítas, que viam nos povos indígenas uma possibilidade para ampliar o número de fiéis.
Os povos nativos da América eram vistos pela Igreja católica como pessoas “puras”, por não terem nenhuma outra crença religiosa contrária à fé cristã. Assim, eles deveriam ser catequizados e não escravizados. Ao contrário dos africanos, que muitas vezes eram associados aos muçulmanos: deveriam ser trazidos à América para purgarem seus pecados.
Apesar da proibição do governo, sempre houve lacunas na lei que permitiram aos colonos aprisionarem os nativos. Por exemplo, a lei permitia tornar escravo um índio hostil aos colonizadores. Assim, a escravidão indígena nunca deixou de existir na colônia, principalmente nos períodos em que o abastecimento de escravos africanos era precário.
Outra ideia corrente entre os historiadores foi a de que os africanos, apesar de custarem mais, tinham uma produtividade maior, o que compensava o alto custo investido neles.
Na verdade, o que era extremamente lucrativo na escolha da escravidão africana era o comércio de homens e mulheres africanos realizado pelos europeus. O tráfico de escravos foi, durante séculos, uma das atividades mais lucrativas do comércio internacional, com os entrepostos na África sendo duramente disputados pelas principais potências européias. Muitas guerras ocorreram pela disputa do controlo dos entrepostos.

O tráfico negreiro

Os comerciantes portugueses que já se dedicavam à venda de escravos foram os primeiros interessados em vendê-los para os senhores de engenho do Nordeste.
Durante todo o processo de expansão marítima do século XV, os navegantes e comerciantes portugueses, enquanto procuravam avançar mais para chegar às Índias, encontraram uma boa fonte de lucro: o tráfico de escravos. Em 1441, submeteram o primeiro grupo de africanos, nas costa do continente.
Para conseguir escravos, os portugueses utilizavam diversos métodos. Eles organizavam verdadeiras caçadas: entravam nas aldeias, perseguiam e prendiam seus habitantes. Às vezes, os próprios chefes das tribos vendiam membros de seu grupo em troca de tecidos, armas, jóias, tabaco, algodão, aguardente e outras mercadorias; outras vezes, vendiam prisioneiros de guerra. Nesse caso, os próprios traficantes se encarregavam de provocar guerras entre as tribos para depois comprar os prisioneiros.
Esses comerciantes obtinham lucros altíssimos. Na África, compravam escravos por preços baixos; vendiam-nos depois na América por preços altos. Muitas vezes, o açúcar, o tabaco, a aguardente e outros produtos comprados na colônia portuguesa eram usados como moda de troca pelos traficantes; com isso, ganhavam mais ainda.
Mercado de escravos
Quando chegavam à América portuguesa, os escravos eram colocados à venda em mercados. Ficavam à mostra, em exposição, e eram examinados minuciosamente pelos interessados. O escravo era tratado como se fosse uma mercadoria.

Origem dos escravos

A maioria dos africanos trazidos à colônia portuguesa como escravos pertencia a dois grandes grupos étnicos: os bantos, originários de Angola, Moçambique e Congo, e que se tornaram mais numerosos no centro-sul e no Nordeste; e os sudaneses, provenientes da Guiné, da Nigéria e da Costa do Ouro, e que foram levados principalmente para a região da Bahia.
Os bantos, por serem mais numerosos, acabaram influenciando muitos aspectos da vida colonial. Politeístas, cultuavam os espíritos bons e os espíritos maus, representados em estatuetas de madeira ou marfim. Entre os sudaneses, que se caracterizavam por sua elevada estatura, destacaram-se os maometanos, oriundos da Guiné. Destes, sobressaíram os “haussás” que se concentraram na Bahia.

O cotidiano do trabalho escravo

Os escravos começavam o trabalho ao raiar e só paravam ao escurecer. Quase não tinham descanso; em muitos engenhos, aos domingos, cultivavam pequenos roçados para seu próprio sustento. Seu principal alimento era a mandioca.
Nos engenhos de açúcar, as condições de trabalho eram extremamente duras, tanto nos canaviais quanto nas moendas e nas caldeiras. Essas condições extremamente difíceis e ainda a alimentação insuficiente e de péssima qualidade faziam com que o tempo de vida produtiva de um escravo não passava de dez anos. Depois de dez anos de trabalho pesado, o escravo estava enfraquecido, doente e, na maioria dos casos, morria.
Os escravos viviam e trabalhavam vigiados por capatazes e feitores. Quando fugiam, eram perseguidos pelos capitães-do-mato, que recebiam certa quantia por escravo capturado e devolvido ao senhor.
O castigo físico fazia parte do cotidiano da escravidão. Havia vários tipos de castigo. Os principais eram:
- tronco – os escravos eram presos pelas pernas em pequenas aberturas existentes entre duas vigas de madeira; ficavam horas e, às vezes dias imobilizados, o que provocava inchaço das pernas, formigamentos e fortes dores;
- bacalhau – espécie de chicote de couro cru, que rasgava a pele; muitas vezes os feitores passavam sal nos ferimentos, tornando a dor ainda maior;
- vira-mundo – instrumento de ferro que prendia mãos e pés;
- gargalheira – colar de ferro com várias hastes em forma de gancho.

Conflitos culturais

Chegando à propriedade, os eram forçados a abandonar grande parte de seus costumes e a adotar os hábitos impostos pelo seu dono. Entretanto, eles conseguiram manter muitas de suas tradições: danças, palavras de sua língua, religião, etc.
Em geral, o que acontecia era:
- em lugar dos alimentos com os quais estavam acostumados na África, os escravos se alimentavam com a corrida que o senhor lhes dava;
- em lugar de suas vestes tradicionais, os africanos eram obrigados a vestir grossos panos de algodão;
- em lugar de sua língua nativa, eram obrigados a aprender o linguajar local;
- em lugar dos antigos hábitos de trabalho, o escravo era controlado pelo feitor, que o castigava por qual quer falta;
- em lugar do padrão de moradia africana, a vida coletiva da senzala: uma habitação sem divisões, abafadas, quase sem janelas;
- em lugar de suas religiões africanas, a religião católica, com missas, batizados, casamentos e outros rituais impostos pelo padre-capelão do engenho.
Essa imposição de valores provocou também uma grande mistura entre os hábitos europeus e africanos. Ao longo dos séculos, foi sobre essa mescla que se construiu grande parte dos valores de nossa sociedade.
A exploração, a perda da liberdade e de parte da cultura levaram muitos africanos a resistir à escravidão: fugindo, lutando ou mesmo se matando.
Nos dias de festas dedicadas aos santos católicos, os africanos relembravam suas tradições nativas por meio da música e da dança. Dessa maneira, conseguiam manter parte de sua cultura. As cerimônias de enterros eram também momentos em que os escravos expressavam suas tradições.
O negro africano contribuiu para o desenvolvimento populacional e econômico do Brasil e tornou-se, pela mestiçagem, parte inseparável de seu povo. Os africanos espalharam-se por todo o território brasileiro, em engenhos de açúcar, fazendas de criação, arraiais de mineração, sítios extrativos, plantações de algodão, fazendas de café e áreas urbanas. Sua presença projetou-se em toda a formação humana e cultural do Brasil com técnicas de trabalho, música e danças, práticas religiosas, alimentação e vestimentas.
As marcas africanas em nossa cultura são inúmeras, desde instrumentos musicais, como atabaque, agogô, berimbau e cuíca, ritmos como samba, o batuque e o maracatu, até heranças culinárias, como acarajé, feijoada e caruru. Outra das fortes marcas dos africanos no Brasil são os ritos religiosos: o candomblé, umbanda, macumba.

Tipos de escravidão:

Os escravos que sobreviviam e chegavam ao Brasil, nessa época, eram destinados, a maioria, para o trabalho nas propriedades rurais ou para o trabalho nas minas, como ocorreu intensamente no século XVIII.
O escravo rural podia tanto trabalhar diretamente na plantação de açúcar, o chamado escravo do eito, como ser utilizado na residência do senhor, esse era o escravo doméstico. Havia escravos domésticos também nas vilas e cidades.
O escravo do eito era submetido a longas e repetidas tarefas. Chegavam a trabalhar mais de 15 horas por dia. E em épocas de safra, o descanso quase não existia. O não cumprimento das tarefas podia implicar em duros castigos. Calcula-se que a vida média de um escravo nessas condições penosas chegava, em média, a dez anos.
“Vida rude, monótona e regrada na qual o trabalho jamais parece deter-se e o lazer depende unicamente da boa vontade dos chefes e senhores ou das intempéries que inutilizam o canavial.”
Essa rotina é detalhada pelo artista Rugendas, que esteve no Brasil nos inícios do século XIX. Leia:

"Enviam-se os escravos para o trabalho logo ao nascer do sol. A frescura da manhã parece ser-lhes muito mais desagradável do que o grande calor do dia, e eles ficam entorpecidos até que o sol, erguendo-se, os queime com seus raios. Às oito horas concede-se-lhes meia hora para almoçar e descansar. Em algumas fazendas fazem os escravos almoçar antes de partirem para o trabalho, isto é, imediatamente depois do nascer do sol. Ao meio-dia eles têm duas horas para o jantar e o repouso e, em seguida, trabalham até as dezoito horas.
Entretanto, na maioria das fazendas, em vez de fazê-los trabalhar nos campos de cinco a sete horas, empregam-nos a juntar forragem para os cavalos ou procurar palmitos nas florestas vizinhas ou ainda lenhar; muitas vezes, eles voltam fortemente carregados e muito tarde. Também acontece, ao voltarem dos campos, fazê-las moer farinha de mandioca durante duas horas. Mas esse trabalho, na maioria das fazendas, só se faz duas vezes por semana, pois quase nunca se prepara mais do que o necessário ao consumo dos próprios escravos. Costumam estes, quando voltam de seu trabalho, apresentar-se ao senhor e desejar-lhe boa noite.”
Outra observação que ele faz é quanto à pratica de alguns senhores em conceder um pedaço de terra para alguns desses escravos. Estima-se que uma das mais fortes razões para isso seria diminuir a tensão causada pela própria escravidão. Veja o que ele diz:
“No domingo, ou dias de festas, tão numerosos que absorvem mais de cem dias no ano, os escravos são dispensados de trabalhar para seus senhores e podem descansar ou trabalhar para si próprios. Em cada fazenda existe um pedaço de terra que lhes é entregue, cuja extensão varia de acordo com o número de escravos, cada um dos quais cultiva como quer ou pode. Dessa maneira, não somente o escravo consegue, com o produto do seu trabalho, uma alimentação sadia e suficiente, mas ainda, muitas vezes, chega a vendê-la vantajosamente.”
Nas minas de ouro e diamantes o trabalho também era duríssimo. O trabalho curvado provocava dores e fazia com que alguns deles, ainda adolescentes, ficassem deformados para o resto da vida. Eles podiam ter a coluna curvada ou mesmo as pernas tortas. A labuta com os pés na água o dia inteiro também trazia sérios danos à saúde.
Os escravos domésticos trabalhavam no interior das residências. Eram cozinheiras, lavadeiras, copeiros, cocheiros, moleques de recado, além de amas-secas, amas-de-leite, mucamas e pajens. Eram escolhidos entre aqueles que os senhores consideravam de melhor aparência. Recebiam boas roupas, limpas e, por vezes, até luxuosas. O tratamento era diferenciado dos demais escravos. A proximidade fazia que chegassem até a ter certa intimidade com os familiares do proprietário e mesmo com este. Por vezes, criando vínculos de afeição.
Mas o trabalho doméstico também não era fácil. Ao contrário, era extremamente cansativo. Lavar a roupa, limpar e cozinhar eram tarefas que exigiam muito esforço. Não havia máquinas, modernos produtos de limpeza nem fogão a gás. Também não havia esgotos, água encanada nem energia elétrica. Cozinhar, por exemplo, exigia buscar e rachar lenha. A casa tinha de ser abastecida de água para a higiene pessoal, alimentação e para a limpeza.
Aí mesmo nas cidades, havia também os escravos de ganho, que executavam tarefas, muitas vezes, como vendedores ambulantes. Estes obtinham o ganho do seu dono, mas recebiam uma parte desse lucro para se manter. Além desses ambulantes, havia também barbeiros, pedreiros e até aqueles que praticavam a medicina popular, vendendo ervas, poções ou mesmo realizando procedimentos de cura.
Havia senhoras que enfeitavam suas escravas e as prostituíam. Há casos em que ex-escravas exploravam algumas cativas nessa atividade. Em geral, os escravos de ganho não moravam na mesma casa dos seus senhores.

Distinção entre escravos

Havia outra forma de distinção entre os escravos. Chamavam-se boçais os recém chegados da África, que ainda não dominavam o idioma. Já o ladino era o nascido na África, mas que já dominava o português e estava integrado na rotina de trabalho. Os escravos nascidos no Brasil eram chamados de crioulos.

Os escravos resistem: formas de luta contra a escravidão

Os africanos resistiram à escravidão de muitas maneiras. Uma delas foi a fuga. Muitas vezes, após a fuga, reuniam-se em comunidades chamadas quilombos.
Os escravos viviam nas senzalas, habitações de um único compartimento, na maior promiscuidade; eram responsáveis por todos os trabalhos nos canaviais, nas oficinas e na casa-grande. Qualquer reação contra o sistema de escravidão era reprimida violentamente. Os negros, entretanto, não permaneceram de braços cruzados diante dessa realidade opressiva.
Enquanto existiu escravidão, ocorreu também reação. O símbolo da resistência foi a formação dos quilombos, aldeamentos de negros fugitivos. Eles surgiram por toda parte onde imperou a escravidão: Alagoas, Sergipe, Bahia, Mato grosso, Pernambuco, Rio de Janeiro e São Paulo. Nos quilombos, os africanos falavam sua própria língua, seguiam as leis de suas terras de origem, faziam suas festas, praticavam sua religião, etc.
Os habitantes dos quilombos eram chamados quilombolas. Eles cultivavam os alimentos de que precisavam. Tinham também pequenas oficinas onde faziam roupas, móveis e instrumentos de trabalho. A vida nos quilombos não era fácil, pois as comunidades estavam sempre sujeitas aos ataques das expedições enviadas pelos senhores e pelo governo. Por isso, a maior parte dos quilombos teve vida curta; alguns, entretanto, conseguiram resistir por décadas. Quando os quilombos eram destruídos, os quilombolas que não morriam lutando eram levados de volta aos donos e severamente castigados.
Dentre os quilombos mais conhecidos, destacam-se os da serra da Barrida, região situada entre os atuais estados de Alagoas e Pernambuco. Eram cerca dez quilombos, unidos sob o nome de Palmares, que resistiram durante quase todo o século XVII aos ataques do governo e dos senhores de escravos. Seus mocambos – pequenos casebres cobertos com folhas de palmeiras – chegaram a se estender por 27 mil km². Assim, Palmares constituía-se em constante chamamento, um estímulo, uma bandeira para os negros escravos das vizinhanças que o viam como um constante apelo à rebelião, à fuga para o mato, à luta pela liberdade.
A destruição de Palmares ocorreu em 1695, e coube à expedição chefiada pelo bandeirante Domingos Jorge Velho.
Zumbi, grande chefe de Palmares, conseguiu fugir com algumas dezenas de homens, mas no dia 20 de novembro de 1695, foi aprisionado e decapitado. Sua cabeça foi colocada num poste em praça pública, para servir de exemplo aos que o consideravam imortal.
A data da morte de Zumbi ficou registrada nos anais da História como o “Dia da Consciência Negra”, para que se possa sempre lembrar que os negros até hoje lutam contra a marginalização e a discriminação de que são vítimas.



A SOCIEDADE NO BRASIL COLONIAL

 1. A Sociedade Açucareira

A sociedade da região açucareira dos séculos XVI e XVII era composta, basicamente, por dois grupos. O dos proprietários de escravos e de terras compreendia os senhores de engenho e os plantadores independentes de cana. Estes não possuíam recursos para montar um engenho para moer a sua cana e, para tal, usavam os dos senhores de engenho. O outro grupo era formado pelos escravos, numericamente muito maior, porém quase sem direito algum.
Entre esses dois grupos existia uma faixa intermediária: pessoas que serviam aos interesses dos senhores como os trabalhadores assalariados (feitores, mestres-de-açúcar, artesãos) e os agregados (moradores do engenho que prestavam serviços em troca de proteção e auxílio). Ao lado desses colonos e colonizados situavam-se os colonizadores: religiosos, funcionários e comerciantes.
Elementos fundamentais na sociedade colonial nordestina

O patriarcalismo: A família patriarcal foi a base da sociedade nascida na região do açúcar. As famílias viviam isoladas na zona rural; eram raros os contatos sociais. Eram características da família patriarcal:

- poder absoluto do pai de família;
- submissão da mulher;
- casamentos sem escolha e sem amor, muitas vezes entre membros da mesma família (a escolha era feita pelos pais dos noivos);
- número elevado de filhos - o primogênito era o único herdeiro da propriedade;
- religiosidade marcante - em quase toda família havia um padre; em toda casa-grande havia uma capela;
- imposição paterna de uma profissão para os filhos;
- educação somente para os homens (as mulheres recebiam apenas as primeiras noções de escrita e aritmética e educação para o lar).

Os senhores de engenho possuíam autoridade absoluta sobre os seus familiares, sobre os agregados e os escravos de suas propriedades. A influência desses homens atingia até mesmo a vila próxima ao engenho. A maior parte dos poderes se concentrava nas mãos do senhor de engenho. Com autoridade absoluta, submetia todos ao seu poder: mulher, filhos, agregados e qualquer um que habitasse seus domínios. Cabia-lhe dar proteção à família, recebendo, em troca, lealdade e deferência. Essa família podia incluir parentes distantes, de status social inferior, filhos adotivos e filhos ilegítimos reconhecidos. Seu poder extrapolava os limites de suas terras, expandindo-se pelas vilas, dominando as Câmaras Municipais e a vida colonial. A casa grande foi o símbolo desse tipo de organização familiar implantado na sociedade colonial. Para o núcleo doméstico convergia a vida econômica, social e política da época.
A posse de escravos e de terras determinava o lugar ocupado na sociedade do açúcar. Os senhores de engenho detinham posição mais vantajosa. Possuíam, além de escravos e terras, o engenho. Abaixo deles situavam-se os agricultores que possuíam a terra em que trabalhavam, adquirida por concessão ou compra. Em termos sociais podiam ser identificados como senhores de engenho em potencial, possuindo terra, escravos, bois e outros bens, menos o engenho. Compartilhavam com eles as mesmas origens sociais e as mesmas aspirações.
A casa grande: No centro da vida do engenho, a casa grande erguia-se imponente, quase sempre edificada em uma colina ou elevação. "A casa grande, residência do senhor de engenho, é uma vasta e sólida mansão térrea, ou em sobrado, distingue-se pelo seu estilo sóbrio, mas imponente, que ainda hoje empresta majestade à paisagem rural, nas velhas fazendas de açúcar que a preservaram. Constituía o centro de irradiação de toda a atividade econômica e social da propriedade".
A senzala: Os escravos "mãos e pés" do senhor, como dizia Antonil, amontoavam-se em um barracão rudimentar erguido ao lado da casa grande. No final da tarde, os feitores os conduziam desde o canavial e a moenda para aquele dormitório miserável, em que os mais rebeldes dormiam acorrentados.
Entre uma parcela dos escravos, particularmente os domésticos, desenvolveu-se um desejo de "branqueamento", de afastamento dos valores africanos, de adesão ao catolicismo. Entre os negros e mulatos libertos, tal desejo era muito mais acentuado. Não havia meios de melhorar de vida senão reconhecendo “como somente válido o ideal estético do senhor, o da superioridade da cor branca sobre a negra, e seu ideal moral, o da superioridade da ética dos brancos sobre os costumes dos 'pagãos” '.
O negro crioulo nascido na senzala, normalmente se socializava sobre a influência dominante da cultura branca. Oferecia menos resistência à ética do senhor, e procurava através da malícia e da subordinação hábil chegar-se a ele.
A vila: A vida urbana no Brasil açucareiro era extremamente escassa, pela ausência de intercâmbios internos e pelas características da organização social. Assim, se excetuarmos as cidades de Salvador, Rio de Janeiro, Recife, São Luís e Belém, até o final do século XVII os aglomerados urbanos não serão nada além de meras extensões das propriedades rurais. As funções das vilas e povoados eram bem simples. Num primeiro momento, constituíam os pontos de contato entre a administração portuguesa e o poder local dos senhores. Além disso, tinham a função social de congregar os moradores dos engenhos e fazendas próximas, nas missas e festas, religiosas e leigas. Quanto ao plano econômico, sua função era pouco significativa, no máximo como pequenos portos do embarque de açúcar para os centros maiores (casos de vilas marinhas), onde se fazia o transbordo para Portugal; ou como lugares onde se podia adquirir, eventualmente, algum artigo em falta nos engenhos.

Senhor de engenho: "ser servido, obedecido e respeitado..."

Do outro lado da escala social estava o senhor de engenho. 'É título a que muitos aspiram porque traz consigo o ser servido, obedecido e respeitado de muitos. ' Um mundo oposto ao da senzala - mas totalmente dependente dele – era o mundo da casa-grande, do proprietário do engenho, ao qual todos deviam obediência: o patriarca. Este impunha respeito e medo até em sua família, sendo comum ter várias comborças (amantes negras). Na casa-grande, havia também as mucamas (escravas domésticas), que ajudavam a sinhá-dona (mulher do patriarca) nas tarefas caseiras. A sinhá, submissa, obediente e temerosa do senhor de engenho, ensinava as suas filhas, as sinhazinhas, no aprendizado das prendas domésticas (bordado, preparação do enxoval para o casamento).
Essas meninas - sinhazinhas -, futuras sinhás, 'faziam orações e copiavam a receita da marmelada : segundo ditado popular da época. “Á menina negou-se a tudo que de leve parecesse independência. Até levantar a voz na presença dos mais velhos. Adoravam-se as acanhadas de ar humilde. Criadas em ambiente rigorosamente patriarcal, viveram sob a mais dura tirania dos pais – depois substituída pela tirania dos maridos."
Os meninos, quietos e respeitosos, seguiam o pai no aprendizado do ofício do mando. Respeitavam os mais idosos, tomavam-lhes a bênção. “Só depois de casado arriscava-se o filho a fumar na presença do pai, e fazer a barba era cerimônia para que o rapaz necessitava sempre de licença especial.” As capelas, erguidas ao lado da casa-grande, centralizavam a vida religiosa. As construções eram luxuosas e imponentes, já que os homens livres do engenho as freqüentavam nas missas, rezas e festas religiosas. As cerimônias religiosas constituíam o momento apropriado para os senhores exibirem suas riquezas.
Construir belas igrejas e associá-las ao nome do proprietário do engenho era sinônimo de poder e força econômica.
Em suma, praticava-se nas capelas “uma religiosidade de superfície, menos atenta ao sentido íntimo das cerimônias do que ao colorido e à pompa exterior, quase carnal em seu apelo ao concreto e em sua rancorosa incompreensão da verdadeira espiritualidade”.
Grandes e belas construções de igrejas, religiosidade superficial, "pompa exterior", ligavam padres e senhores proprietários. Na tradição da metrópole, a Igreja tinha pouca autonomia, pois o clero estava atrelado ao Estado e às ordens do rei.
Na colônia, o clero subordinava-se aos senhores, formando laços de família, propriedade e poder com o patriarca.

A Sociedade Mineradora

A sociedade da região das minas, ao contrário da sociedade açucareira, era uma sociedade urbana. As pessoas ligadas à mineração, tanto os donos das minas quanto os que trabalhavam nelas, moravam nas cidades. Com a mineração surgiram mutas cidades brasileiras, como Mariana, Vila Rica, São João deu-Rei, São José del-Rei (atual Tiradentes), Tejuco(atual Diamantina).
Essas localidades tinham uma intensa vida urbana: ruas cheias de gente, igrejas enfeitadas com ouro, conjuntos musicais, poetas, músicos, escultores. Com a mineração, a população do Brasil tornou-se três vezes maior. No final do século XVIII o Brasil tinha três milhões de habitantes, 600 000 concentrados na região das minas.
Desta estrutura social diferenciada faziam parte os setores mais ricos da população - chamados "grandes" da sociedade - mineradores, fazendeiros, comerciantes e altos funcionários, encarregados da administração das Minas e indicados diretamente pela Metrópole.
Compunham o contingente médio, em atividades profissionais diversas, os donos de vendas, mascates, artesãos (como alfaiates, carpinteiros, sapateiros) e tropeiros. E ainda pequenos roceiros que, em terrenos reduzidos, entregavam-se à agricultura de subsistência. Plantavam roças de milho, feijão, mandioca, algumas hortaliças e árvores frutíferas. Também faziam parte deste grupo os faiscadores - indivíduos nômades que mineravam por conta própria. Deslocavam-se conforme o esgotamento dos veios de ouro. No final do século XVIII, esta camada social foi acrescida de elementos ligados aos núcleos de criação de gado leiteiro, dando início à produção do queijo de Minas.
Incluíam-se também nessa camada intermediária os padres seculares. Na Colônia, poucos membros do clero ocupavam altos cargos como, por exemplo, o de bispo. Este morava na única cidade da capitania: Mariana.
Por outro lado, crescia na capitania real o número de indivíduos sujeitos às ocupações incertas. Vivendo na pobreza, na promiscuidade e muitas vezes no crime, não tinham posição definida na sociedade mineradora. Esta camada causava constante inquietação aos governantes. Ela era geralmente composta por homens livres: alguns brancos, mestiços ou escravos que haviam conseguido alforria.
O Estado, percebendo a necessidade de agir junto a essa população incapaz de prover seu próprio sustento, associou a repressão à "utilidade". O encargo que eventualmente representava transformava-se, através do castigo, em trabalhos diversos e, consequentemente, em "utilidade".
Esta população, entendida como de "vadios", recrutada à força ou em troca de alimento, foi utilizada em tarefas que não podiam ser executadas pelos escravos, necessários ao trabalho da empresa mineradora. Era freqüente a ocupação destes que eram vistos como desclassificados sociais na construção de obras públicas como presídios, Casa da Câmara, entre outras. Também compuseram corpos de guarda e de polícia privada dos "Grandes" da sociedade mineradora, ou ainda empregavam-se como capitães-do-mato. Em outras situações, como na disputa pela posse da Colônia do Sacramento, participaram dos grupos militares que guardavam as fronteiras do Sul.
Os escravos, ali como de resto em toda a Colônia, representavam a força de trabalho sobre a qual repousava a vida econômica da real capitania das Minas Gerais. Vivendo mal-alimentados, sujeitos a castigos e atos violentos, constituíam a parcela mais numerosa da população daquela região.
Isto gerava uma constante preocupação para as autoridades já que, apesar da repressão cruel, não eram raras as tentativas de levantes escravos e a formação de quilombos, como o do Ambrósio e o Quilombo Grande. A destruição de ambos, em 1746 e 1759 respectivamente, não impediu que ocorressem outras fugas e a formação de novos quilombos.

Sociedade pecuarista

A pecuária ou criação de gado foi importante para a penetração do interior do Nordeste e também para a conquista do Sul do país. Da Bahia e de Pernambuco as fazendas de gado espalharam-se por quase todo o interior nordestino.
A sociedade pecuarista do Nordeste e Sul diferenciou-se da açucareira. A figura predominante dessa sociedade era a dos vaqueiros, isto é, homens livres não-proprietários de terras, que cuidavam das boiadas, e, na maioria das vezes, não estavam submetidos aos proprietários de terras. A própria característica de seminomadismo da pecuária tornava mais livre a vida dos vaqueiros e a sua melhor adaptação aos descendentes de indígenas.
Ao contrário da atividade açucareira e da atividade mineradora, que exigiam muitos trabalhadores, a pecuária precisava de pouca gente. Apenas o fazendeiro e alguns trabalhadores eram suficientes, pois o gado ficava solto, espalhando pelo campo. Na sociedade pecuária, o emprego de trabalhadores livres era muito mais frequente que o de escravos.
Em geral, 'depois de quatro ou cinco anos de serviço’, começava o vaqueiro a ser pago, de quatro crias cabia-lhe uma; podia assim fundar uma fazenda por sua conta.
Os chefes dos vaqueiros recebiam dos proprietários das fazendas uma pequena propriedade de terras, onde produziam para sua própria sobrevivência, além de terem o direito a um determinado número de crias e a um salário anual estabelecido com o dono da fazenda. ” Esses homens rudes e duros. muitas vezes escravos fugidos das fazendas do litoral, foram os verdadeiros conquistadores do sertão, abrindo caminhos. fundando povoados e ocupando áreas antes totalmente virgens da presença dos colonizadores."
No caso da atividade criatória do Nordeste, a penetração para o interior provocou choques com os índios, os quais se refugiavam sempre mais para dentro do território, procurando escapar do confronto com os brancos, ou integravam-se nas missões, ou, ainda, tornavam-se vaqueiros. Muitos paulistas depois das lutas com escravos foragidos e apresamento de índios nas regiões da Bahia e Pernambuco preferiam a vida de grandes proprietários nas terras adquiridas por suas armas: de bandeirantes passaram a conquistadores, formando estabelecimentos fixos. Ainda antes do descobrimento das minas, sabemos que nas ribeiras do rio das Velhas e do São Francisco havia mais de cem famílias paulistas entregues à criação de gado.
O sul do país, que se estende além dos Campos Gerais, foi ocupado e colonizado de maneira bem diversa da do Nordeste e região das Minas. Zona de intensos conflitos entre portugueses e espanhóis, era habitada por homens guerreiros e aventureiros.
A partir da segunda metade do século XVII, os paulistas, em sua penetração para o interior, chegaram até o Rio Grande do Sul. Em 1680 os portugueses fundaram, às margens do Rio da Prata, em frente a Buenos Aires, a Colônia do Sacramento, que se instituiu como excelente base para o contrabando e aguçou ainda mais as rivalidades luso-espanholas.
A única forma de integrar essa região ao restante da colônia era povoá-la. Dessa maneira a Metrópole distribuiu em grande fartura sesmarias, constituindo-se as estâncias, voltadas para a criação de gado que vivia semi-selvagem, quase em abando no, sobrevivendo graças às férteis regiões do pampa. A pecuária exigia pouca mão-de-obra: um capataz e alguns peões, que geralmente eram índios ou mestiços. O trabalho era assalariado, a escravidão era rara. Além do gado, criavam-se nas estâncias cavalos e muares.
Será apenas no fim do século XVIII que se consolidará a pecuária sulina. Inicialmente houve apenas o aproveitamento do couro, sebo e ossos; a carne era desprezada. Mas logo descobriram-se formas de conservação (salgamento e secagem), surgindo as grandes charqueadas que iriam abastecer o mercado interno, particularmente a região das Minas.

Sociedade missionária ou das missões

Missionários eram os padres que vinham da Europa para pregar a religião aos índios e tentar convertê-los à fé católica. E como esses padres faziam para pregar a religião? Eles tiravam os índios de suas aldeias, reunindo-os em aldeamentos, povoados, chamados reduções. A vida de redução era organizada e dirigida pelos padres.
Embora os índios das missões não fossem escravos dos padres, eram eles que construíam as casas e outras instalações das missões, cultivavam os produtos necessários à alimentação dos moradores dos aldeamentos, caçavam, pescavam e colhiam os frutos silvestres, como cacau, a castanha o cravo e a canela. Os lucros do comércio dos produtos que eram vendidos para fora dos aldeamentos ajudavam na compra de coisas que não eram feitas nas missões, como ferramentas, e tecidos domésticos etc.; aumentavam também a riqueza e o poder das ordens religiosas.
As atividades missionárias foram importantes para a conquista da Amazônia e do Sul do Brasil. Importantes reduções Jesuíticas foram organizadas no Sul do país, abrangendo os atuais estados do Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná, e então entrando até o Paraguai e Argentina.

Na missão

No aldeamento
quem mandava não era mais o chefe indígena.
Quem mandava era o missionário.
Era o missionário que mandava plantar a roça.
Era o missionário que mandava assistir à missa.
Era o missionário que mandava construir as casas.
O missionário mandava na vida do índio.
Na missão os índios trabalhavam para os padres.
Tinham que trabalhar três dias por semana para os padres.
Tinham que trabalhar com hora marcada.
Não podiam mais caçar na hora que queriam.
Não podiam mais pescar na hora que queriam.
Não eram mais eles que dividiam a caça.
Não eram mais eles que dividiam todas as coisas da roça.
O aldeamento da missão quase acabou com os índios.
Os índios morreram de doença.
Morreram de fome.
Morreram de tristeza.

(CIMI. História dos povos indígenas. P. 155-6.)

A expansão territorial brasileira

O Brasil começou a ser povoado a partir do litoral. Pois os portugueses que chegavam da Europa fundavam postos de recolhimento e armazenagem de mercadorias que seriam levadas para a Europa. Esses postos eram chamados feitorias. Fundavam também pequenas vilas próximas ao mar.

Durante o século XVI os colonos não se atreviam a entrar pela mata em direção ao interior (o sertão). Havia medo do desconhecido e do ataque de tribos indígenas. Sobre essa situação, frei Vicente Salvador escreveu, em 1627: “os portugueses permanecem no litoral como caranguejos a rondar as praias”.
Entretanto, pouco a pouco, grupos de pessoas foram penetrando no interior do território, dando início ao seu povoamento. Dentre esses grupos, destacam-se:

· Expedições militares organizadas pelo governo para expulsar estrangeiros que ocupavam partes do território.
· Bandeirantes que andavam pelo sertão aprisionando índios ou procurando metais preciosos.
· Padres jesuítas que fundavam aldeias para catequização dos índios e exploração econômica de riquezas do sertão.
· Criadores de gado que tiveram seus rebanhos e fazendas empurrados para o interior do território.

Expedições militares

Várias expedições militares foram organizadas pelo governo para ocupar e defender terras brasileiras que estavam sendo ameaçada pela presença de estrangeiros, principalmente por franceses. O trabalho de povoamento e ocupação do território realizado por essas expedições militares é conhecido como expansão oficial.
Em luta contra os estrangeiros, as expedições militares luso-espanholas foram erguendo fortificações militares que deram origem a importantes cidades. Vejamos alguns exemplos:

· Filipéia de Nossa Senhora das Neves (1584): atual cidade de João Pessoa, capital da Paraíba.
· Forte dos Reis Magos (1597): atual cidade de Natal, capital do Rio Grande do Norte.
· Fortaleza de São Pedro (1613): atual cidade de Fortaleza, capital do Ceará.
· Forte do Presépio (1616): atual cidade de Belém, capital do Pará.

A expansão e o movimento bandeirante

Desde o começo da colonização, Portugal queria explorar o território em busca de ouro. Várias expedições oficiais foram organizadas pelo governo com este objetivo. Estas expedições recebiam o nome de entradas. As entradas eram expedições financiadas pelo governo português para explorar territórios no interior da colônia e defender a região açucareira de ataques indígenas e piratas europeus, além de procurar metais e pedras preciosas. Em geral, as entradas partiam do litoral nordestino em direção ao interior.
A primeira entrada foi a expedição de reconhecimento dirigida por Américo Vespúcio, em 1504.
As entradas têm seu centro principal de propagação no litoral nordestino, saindo da Bahia e de Pernambuco para o interior em missão geralmente oficial de mapeamento do território. Também combatem os grupos indígenas que ameaçam ou impedem o avanço da colonização, como os caetés, os potiguares, os cariris, os aimorés e os tupinambás. A atuação das entradas estende-se do Nordeste à Amazônia e ao Centro-Oeste, abrangendo ainda áreas próximas do Rio de Janeiro.
Além das entradas, surgiu outro tipo de expedição chamada bandeira. As bandeiras eram expedições particulares que saíam de São Paulo rumo ao interior, onde capturavam índios para o trabalho nas lavouras e buscavam metais e pedras preciosas. Essas expedições variavam de tamanho; algumas reuniam centenas e até milhares de homens. À frente delas, seguido um costume dos índios tupis, erguia-se uma bandeira em sinal de guerra, e por isso seus membros ficaram conhecidos como bandeirantes.
Entre as principais bandeiras destacam-se as de Antônio Raposo Tavares, Fernão Dias Pais Leme, Bartolomeu Bueno da Silva e Domingos Jorge Velho.
Andando a pé ou a cavalo, as bandeiras penetravam pelo sertão e ultrapassaram a linha de Tordesilhas. Durante a União Ibérica, as divisões do Tratado de Tordesilhas perderam sua razão de ser. Tudo era da Espanha. Como essas expedições partiam de São Paulo, a cidade ficou conhecida como a “capital dos bandeirantes”.

Dentro do bandeirismo, podemos identificar três tipos básicos:
· O apresador: voltado à captura de índios para vendê-los como escravos;
· O sertanismo de contrato: prestava serviços à classe dirigente colonial, mediante contrato, para combater índios ou negros;
· O prospector: voltado à busca de metais preciosos.

Bandeiras de caça ao índio

As primeiras bandeiras de apresamento de indígenas visavam obter mão de obra para a pequena lavoura paulista ou vendê-las para regiões próximas. Entretanto, quando os holandeses ocuparam Pernambuco e a região de Angola na África, os senhores de engenho da Bahia passaram a enfrentar dificuldades para obter escravos para seus engenhos. Necessitando reposição de mão-de-obra, recorreram aos índios capturados pelos paulistas, impulsionando o movimento bandeirante.
Muitas bandeiras atacaram as missões jesuíticas do Mato Grosso ao Rio Grande do Sul, capturando mais de cem mil índios, a maioria já aculturados e de valor mais elevado, pois se adaptavam mais facilmente ao trabalho agrícola. As principais bandeiras desse período foram a de Manoel Preto e Antônio Raposo Tavares (1619-1651).
As bandeiras de apresamento permitiram a sobrevivência dos paulistas, forneceram escravos para a região açucareira, percorreram o interior alargando o território sob o domínio português e detiveram a expansão espanhola representada pelos jesuítas.
No final do século XVII, com a expulsão dos holandeses do Brasil, a crise da economia açucareira e a descoberta de ouro, termina o período das bandeiras de caça ao índio.

Bandeiras de contrato

Durante o século XVII, para combater índios em guerra ou negros fugidos organizados nos quilombos, fazendeiros ou o próprio governo contratavam a formação de bandeiras. Sob pagamento em dinheiro, terras, escravos ou gado, bandeirantes colocavam-se a serviço da metrópole ou da aristocracia rural brasileira.
A mais importante de todas as bandeiras de contrato foi a de Domingos Jorge Velho, que bateu os índios cariris e janduís em 1692 e destruiu o quilombo de Palmares, em Alagoas, em 1694.

Bandeiras em busca de ouro e diamantes

Frente à crise da economia açucareira. Portugal passou a incentivar quem procurasse e encontrasse metais preciosos, financiando ou oferecendo títulos de nobreza. Embora as diversas expedições que partiram de São Paulo para o interior sempre mantivessem a ambição aurífera, o ouro de lavagem que descobriram nas regiões próximas não apresentava muita lucratividade. Com o incentivo real, acabaram sendo descobertas importantes minas de ouro na região de Minas Gerais, depois em Mato Grosso e Goiás. As descobertas bandeirantes deram início a um novo ciclo econômico no Brasil, o ciclo da mineração.
Vale destacar a expedição de Fernão Dias Paes, em 1674, que avançou de São Paulo em direção a Minas Gerais. O bandeirante – apelidado de “O Caçador de Esmeraldas” – morreu em 1681, acreditando ter encontrado as sonhadas gemas, quando, na verdade, descobriu apenas turmalinas, pedras verdes sem grande valor. Apesar do insucesso, Fernão Dias abriu caminho em direção a Minas Gerais, transformando a cidade paulista de Taubaté no ponto de partida de novas bandeiras.
As descobertas em Minas Gerais logo aconteceram. Em 1693, Antônio Rodrigues de Arzão descobriu ouro em Cataguazes; pouco depois, 1698, Antônio Dias Oliveira encontrava ouro em Vila Rica, atual Ouro Preto; e, em 1700, Borba Gato achava ouro em Sabará. Em 1719, Pascoal Moreira Cabral descobria ouro em Cuiabá, Mato Grosso, e em 1722, Bartolomeu Bueno Filho encontrava-o em Goiás. As bandeiras ocuparam e povoaram o interior do Brasil, criando inúmeras vilas e dando início ao ciclo da mineração, dizimaram muitos grupos indígenas e firmaram a presença colonial além do Tratado de Tordesilhas.

Monções

As monções eram expedições fluviais paulistas que partiam de Porto Feliz, às margens do Rio Tietê, com destino às áreas de mineração em Mato Grosso, com a finalidade de abastecê-las. As canoas levavam mantimentos, ferramentas, armas, munições, tecidos, instrumentos agrícolas e escravos negros, entre outras mercadorias para serem comercializadas nos povoados, arraiais e vilas do interior. Na volta traziam principalmente ouro e peles.

A ação dos Jesuítas

Os padres jesuítas ao desembarcarem no Brasil (1549) tinham planos de divulgar a religião católica em nossa terra. Consideravam-se “soldados da religião” com a missão de conquistar as almas dos índios e dos colonos para o cristianismo católico.
A arma utilizada para a conquista espiritual era a educação direcionada principalmente para a catequização (ensino da doutrina cristã).
O trabalho de catequese do índio exigia a entrada dos padres pelo interior do território, pois os índios afastavam-se cada vez mais do litoral, fugindo da invasão de suas terras. Nesse sentido é que a ação dos jesuítas contribuiu para a colonização e conquista do território.
A partir do século XVII, os padres jesuítas avançaram pelo sertão e fundaram aldeamentos destinados a reunir os indígenas. Esses aldeamentos eram chamados missões ou reduções. As missões foram utilizadas pelos jesuítas para a catequese e exploração do trabalho indígena. Nas missões, os índios aprendiam a doutrina católica e os costumes próprios da cultura européia. Além disso, os padres dominavam os índios fazendo-os trabalhar na extração de riquezas naturais conhecidas como drogas do sertão (guaraná, cravo, pimenta, castanha, baunilha, plantas aromáticas e medicinais).
Os jesuítas tinham muito lucro explorando o trabalho indígena e vendendo as drogas do sertão. As missões eram o alvo predileto do ataque do bandeirismo apresador. Nas missões, o bandeirante já encontrava o índio “pacificado”, isto é, com sua cultura descaracterizada e com conhecimentos de ofícios que interessavam ao comprador de escravos.
Os padres jesuítas e os colonos brigaram muito por causa da escravização dos índios. Os colonos queriam a escravização brutal. Os jesuítas tinham interesse em “defender” os indígenas.
No período da União Ibérica (1580-1640) os jesuítas conseguiram junto à Metrópole a edição de normas que proibiam a guerra contra o índio e sua escravização. Os jesuítas “protegiam” os índios para explorá-los à sua maneira.

A pecuária colonial

As principais atividades econômicas do Brasil Colônia tinham como finalidade atender ao mercado externo europeu. Eram atividades de exportação, como é o caso da produção de açúcar, do tabaco e da mineração. O rei de Portugal proibiu a criação de gado no litoral. Ele queria que toda a área litorânea fosse ocupada com a lucrativa empresa açucareira.
Assim, o gado foi empurrado oficialmente para o sertão. Quem quisesse criar gado só podia fazê-lo em áreas inadequadas para a agricultura exportadora. Devido às exigências do sistema colonial, a pecuária teve como destino desbravar o sertão. E acabou realizando uma grandiosa tarefa para a conquista e ocupação do território brasileiro.
Na pecuária colonial, podemos diferenciar duas grandes zonas de criação de gado: as caatingas do Nordeste e as campinas do Sul.

A pecuária nordestina

A zona pecuária mais antiga do Brasil Colônia é o Nordeste. Nessa região, o gado foi primeiramente utilizado para mover moendas e fornecer carne para os habitantes. Não havia fazendas somente dedicadas à criação do gado. Quer dizer, o dono do engenho era também dono do gado. E as atenções econômicas concentravam-se na produção do açúcar.
Com o tempo, o rebanho bovino foi aumentando. Já não era mais possível criar gado e plantar cana de forma eficiente. Surgiram, então, as fazendas especialmente dedicadas à criação de gado. Fazendas que passaram a ocupar as terras do sertão, pois a área do litoral estava tomada pelos grandes engenhos.
O período de maior progresso da pecuária nordestina foi de 1650 a 1710. Nesse período as fazendas de gado espalharam-se por Pernambuco, Bahia, Piauí, Maranhão, Ceará, Rio Grande do Norte, Alagoas e Sergipe.
O principal produto fornecido pelo gado era carne, para a população da Colônia. Mas nunca houve carne suficiente para toda a população colonial. A fome era um grave problema na Colônia. O segundo produto mais importante da pecuária era o couro, utilizado na confecção de inúmeros objetos: portas de cabanas, cordas, mochilas, bainhas de faca, macas, roupas para entrar no mato, biras de carregar água etc.

A pecuária sulina

Nas campinas do Rio Grande de Sul, a pecuária encontrou condições geográficas muito favoráveis para seu desenvolvimento. A pecuária foi responsável pelo surgimento, no Rio Grande do Sul, de uma sociedade tipicamente pastoril, isto é, caracterizada pelos hábitos e costumes decorrentes da criação do gado.
Nessa região, desenvolveram-se ricas estâncias, que eram imensas fazendas de criação de gado. Trabalhando nas estâncias, encontramos a figura típica do gaúcho: homem alegre e forte, sempre montado em seu cavalo.
No princípio, a atividade básica da pecuária sulina foi a produção de couros. Depois, no século XVIII com o progresso técnico, veio a indústria do charque (carne salgada e seca ao sol). Esta técnica não deixava que a carne estragasse rápido, permitindo que fosse transportada a grandes distâncias. Isso aumentava as possibilidades de comercialização do produto.
A carne produzida no sul foi muito importante para o abastecimento de Minas Gerais, quando se descobriu ouro nesta região.

Tratados de limites

Os caminhos abertos pela pecuária e por apresadores de índios, mineradores, comerciantes e missionários estendem o território brasileiro para muito além do estipulado no Tratado de Tordesilhas, de 1494. Essa linha dividia os domínios de portugueses e espanhóis na América do Sul na altura das atuais cidades de Belém, no Pará, e Laguna, em Santa Catarina. Até 1640, a expansão é facilitada pela União Ibérica, mas prossegue após a separação entre Portugal e Espanha.
Na segunda metade do século XVIII, Portugal e Espanha firmam vários acordos sobre os limites de suas colônias americanas. O primeiro e mais importante, o Tratado de Madri, é assinado em 1750 e reconhece, com base no princípio jurídico do uti possidetis (direito de posse pelo uso), a presença luso-brasileira na maioria dos territórios desbravados, em processo de ocupação e exploração.
No Norte e Centro-Oeste não há dificuldade em acertar limites praticamente definitivos, pelo pequeno interesse espanhol nessas regiões. Mas no Sul a negociação é conturbada.
A Espanha exige o controle exclusivo do rio da Prata, pela importância econômica e estratégica, e aceita a Colônia do Sacramento em troca da manutenção da fronteira brasileira no atual Rio Grande do Sul. Para isso ordena que os jesuítas espanhóis e índios guaranis dos Sete Povos das Missões saiam de terras gaúchas.
O trabalho de demarcação emperra na resistência indígena da Guerra Guaranítica, e a Espanha recua em sua proposta inicial. Do lado português, o governo do marquês de Pombal tenta aproveitar-se do impasse e assegurar a permanência portuguesa no rio da Prata.
A Espanha reage e impõe o Tratado de Santo Ildefonso, em 1777, desfavorável aos interesses luso-brasileiros porque retira dos portugueses todos os direitos sobre o rio da Prata e também sobre a região dos Sete Povos das Missões.
O impasse é resolvido bem mais tarde, em 1801, com a assinatura do Tratado de Badajoz, que restabelece a demarcação acertada em 1750. Os hispano-americanos mantêm o domínio da região platina, e os luso-brasileiros recuperam a totalidade do atual território do Rio Grande do Sul, onde é fixada a fronteira sul do Brasil.



O fundamentalismo islâmico no Oriente Médio

O fundamentalismo islâmico, ou muçulmano, ganhou força com a ascensão política, econômica e militar do Ocidente e a dominação imperialista d...